Cabo de Hornos: um vinho em busca de suas origens

Esse ícone entre os tintos chilenos chega aos 28 anos de história. Sob a batuta do enólogo Gabriel Mustakis, aponta para um novo caminho no qual se aproxima de sua expressão original

Fotografia: Divulgação
Marcel Miwa

Marcel Miwa

Cabo de Hornos nasceu como um dos vinhos de alta gama do grupo San Pedro. Como em muitos vinhos de grande ambição da década de 1990, o foco estava na Cabernet Sauvignon, porém como a sede da vinícola já estava bem estabelecida no vale de Curicó, o caminho natural foi identificar as melhores parcelas de Cabernet Sauvignon daquele entorno para a produção do vinho.

Assim, em 1994 nasceu Cabo de Hornos, lançado ao mercado em 1997. “Na época as videiras estavam com mais de 50 anos e plantadas sem irrigação e em pé-franco. Hoje essa vinha velha é engarrafada para a linha 1865 Old Vines Cabernet Sauvignon”, comenta o enólogo Gabriel Mustakis.

Naquela época, a cabernet era vinificada em balseiros (tanques abertos de madeira) e estagiados em barricas novas de carvalho. Em meados da década de 2000 o estilo do vinho mudou e passou a receber aportes da Syrah e da Malbec, deixando de ser unicamente de Curicó e passando à denominação genérica de Valle Central. Em 2007 o Grupo San Pedro comprou a vinícola Altair, que produzia apenas dois tintos e ambos de alta gama.

Seis anos depois da incorporação de Altair, o grupo de vinícolas reorganizou suas linhas e criou a divisão “Grandes Vinhos de San Pedro”, que reúne todos os ícones do grupo sob supervisão de um único enólogo (na época Marco Puyo com consultoria de Paul Hobbs): Altair, Sideral, Cabo de Hornos, Kankana de Elqui e Tierras Moradas estavam embaixo do mesmo guarda-chuva e com a mesma visão enológica. Hoje, Kankana e Tierras Moradas são vendidos unicamente no Chile.

Em Cabo de Hornos, a decisão do jovem e talentoso Gabriel Mustakis, contratado em 2018, foi por manter o protagonismo da Cabernet Sauvignon, mas buscando as uvas no vale de Cachapoal, perto da sede da Altair, e mais exatamente da zona de Totihue. Na vinificação, a cabernet segue distintos caminhos. As uvas são divididas em diferentes lotes, conforme as parcelas do vinhedo e são fermentadas em tanques de inox e tanques de cimento. Em seguida, o vinho é dividido em novos lotes e seguem para estágio tanto em foudres (barris de 2.000 litros de carvalho) como em barricas novas e usadas de carvalho, pelo período total de 22 meses.

Na degustação vertical realizada com 4 safras de Cabo de Hornos foi possível provar 4 momentos do cenário dos tintos chilenos.

Cabo de Hornos 1997

92 pontos

100% Cabernet Sauvignon de Curicó (Lontué). Nariz intenso com frutas vermelhas maduras (cereja), eucalipto, terra e especiarias (pimenta da Jamaica e alcaçuz). Na boca os taninos estão macios e domados pelo tempo mas ainda presente em grande quantidade, ao lado a acidez plenamente integrada. Potente, untuoso, com toques de violeta cristalizada e final com as notas terrosas (terra molhada, fumo de corda e tabaco) compatíveis com as mais de duas décadas de vida.

Cabo de Hornos 2007

92 pontos

A Cabernet recebe a companhia de Syrah e Malbec. O vinho evolui lentamente e reproduz o estilo concentrado e com presença mais marcante das barricas de carvalho. Fruta negra madura e concentrada (licor de cereja, ameixa madura e amora), com baunilha e toque de tabaco. O estilo moderno se reflete na textura aveludada dos taninos, muito finos e começando a amaciar, ao mesmo tempo com fruta íntegra e cristalina. Tanto álcool quanto acidez estão bem integrados e deixam o conjunto agradável para se beber já. Final longo com leve defumado, baunilha e cravo.

Cabo de Hornos 2015

93 pontos

Aqui há um retorno à expressão varietal da Cabernet Sauvignon, mas de Cachapoal (Quillayes). Um momento no qual a fruta está mais contida, o que permite observar novas camadas que vão se revelando no vinho. Nariz com violeta, fruta negra (licor de cassis e cereja), pão tostado, baunilha e mentol. O álcool traz certo calor na boca, que se destaca pelos taninos, em enorme quantidade e muito finos. Os toques de tomilho e coco queimado remetem a um perfil de Rioja, mas com maior intensidade e potência.

Cabo de Hornos 2018

R$ 483,54 - Interfood/TodoVino

95 pontos

Apesar da jovialidade, já se mostra o melhor Cabo de Hornos do flight degustado. A Cabernet Sauvignon (100% de Cachapoal, setor de Totihue, mais fresco que Quillayes) mostra uma feição floral e com um toque muito sutil da pirazina que aparecia na safra 1997 (eucalipto sutil que aporta sensação de frescor). Acidez e taninos em níveis altos mas em equilíbrio e que devem se integrar daqui a alguns anos na garrafa. A fruta vermelha e negra maduras aparecem de forma pura e complementada por especiarias, flores secas e tostado discreto. Um conjunto complexo mas fácil de agradar e que deve melhorar com o tempo. Sem dúvida, um exemplar para se colocar na elite dos cabernet chilenos.