La Grande Dame: luxo que não é prioridade em Veuve Clicquot

GULA provou a safra 2012, recém-chegada ao Brasil

Fotografia: Divulgação
Marcel Miwa

Marcel Miwa

Sempre há grande expectativa quando uma casa de Champagne decide lançar sua prestige cuvée (rótulo mais raro e caro de seu portfólio) no mercado. Foi o que aconteceu com a famosa produtora do rótulo amarelo exuberante: após um hiato de quatro anos, chega ao mercado brasileiro a Veuve Clicquot La Grande Dame 2012. 

Porém, como confidenciou a enóloga de Clicquot, Marie Charlemagne, dentro da empresa, La Grande Dame surge quando há "sobras" após a produção de Yellow Label, a linha de entrada da casa. “São condições muito específicas e raras para se ter La Grande Dame”, diz a jovem enóloga de 27 anos, coincidentemente a mesma idade com a qual Barbe-Nicole Clicquot assumiu a vinícola em 1805, após o falecimento de seu marido e com autorização de seu pai, pois na época uma mulher não tinha direitos civis nem políticos na França. 

Mesmo diante de uma safra considerada excepcional em Champagne, o rótulo mais ambicioso de Veuve Clicquot só é definido após a vinificação das uvas, quando se tem os “vins claire” (ou vinho-base, o primeiro vinho branco antes da segunda fermentação, quando se retêm as borbulhas). “Primeiro selecionamos todos os lotes para Yellow Label e, se sobrar quantidade e qualidade excepcional de vinho, pensamos em fazer La Grande Dame, não é uma prioridade da vinícola”. Explica-se, das cerca de 19 milhões de garrafas produzidas anualmente de Veuve Clicquot, menos que 5% se dedica aos vinhos feitos a partir dos vinhedos com classificação “Grand Cru”, os champagnes Vintage, Vintage Rosé, Extra-Brut-Extra-Old e La Grand Dame. 

Além do enorme volume de Yellow Label (e que "paga as contas”), o trabalho de enologia envolvido na produção do rótulo de entrada de Clicquot acaba por ser superior ao de La Grande Dame. Para se ter uma ideia, são centenas de vinhos-bases que entram no blend final, tudo com o propósito de manter um estilo intocado mesmo com o grande volume de produção. Esse “estilo" se traduz em cerca de 40% de vinhos de reserva (lotes de vinhos de safras antigas), que se dividem em partes, vinhos entre 1 e 3 anos de amadurecimento, entre 3 e 10 anos de amadurecimento, e mais de 10 anos de amadurecimento. Hoje o vinho mais antigo é da safra 1988, um Chardonnay da Côte de Blancs que colabora com 1% da mescla final do lote atual, além dos 50% de Pinot Noir, com participações menores da Chardonnay (30%) e da Pinot Meunier (20%). 

Em 2012, além do clima frio, as condições foram benéficas para a Pinot Noir, que compõe 90% do blend final de La Grande Dame 2012. “Desde 2008 decidimos que o DNA de Clicquot está na Pinot Noir e desde então a variedade deve ser a essência do nosso rótulo ícone”, diz Charlemagne. Para esta safra foram utilizadas a Pinot Noir de vinhedos Grand Cru em Verzy, Verzenay, Aÿ, Ambonnay e Bouzy e os 10% de Chardonnay vêm dos vilarejos de Le Mesnil sur Oger, Oger e Avize. 

Antes de 2008, a edição 2006 de La Grande Dame trazia partes quase iguais de Pinot Noir (53%) e Chardonnay (47%). Outra mudança trazida a partir de 2008 foi a redução do açúcar residual de 8g/litro para 6g/litro, o que enquadraria La Grande Dame (LGD) na categoria extra-brut (um degrau mais seco que o brut). “Essa redução, além de refletir o gosto atual dos consumidores é uma forma de destacar o frescor do champanhe, um desafio frente às mudanças climáticas”, diz Marie Charlemagne. 

A enóloga, que também atua no comitê de pesquisa e desenvolvimento de Clicquot, afirmou que as grandes inovações em La Grande Dame estão na parte agrícola, e na realidade, se trata de fazer adaptações para manter o estilo e a tradição de LGD. “Hoje trabalhamos muito para escolher clones e porta-enxertos para ter uma colheita antecipada com os melhores índices de maturação possíveis; uma forma de escapar das intempéries climáticas no momento que os cachos das uvas já estiverem formados”. 

Em relação às variedades, vinhedos e tempo de maturação os perfil segue o mesmo para LGD. “Existe uma tradição consolidada desde a primeira edição, da safra 1962, e mantemos isso vivo”. Desde então são cerca de 8 anos de repouso nas caves de Clicquot com as leveduras, conforme outra demanda citada do consumidor atual, com transparência nas informações sobre a data de dégorgement (momento que se separa as leveduras da garrafa). No primeiro lote que chega ao mercado brasileiro o dégorgement foi feito em fevereiro de 2020. Este tempo é fundamental para a formação das finas borbulhas e da complexidade aromática dada pelo fermento (amêndoa, suspiro, pão tostado e massa amanteigada, por exemplo). 

Outra inovação de La Grande Dame 2012 está estampada no rótulo, desenhado pela artista nipônica Yayoi Kusama, marcada pelas cores vivas e geometria arredondada de suas criações, sem esquecer, claro, do amarelo da marca. “Além do belo rótulo, a ilustração de Yayoi Kusama marca um novo momento na empresa, com maior participação das mulheres”, comentou Charlemagne. O comitê de degustação sênior de Clicquot hoje é formado em sua totalidade por homens. Para integrar este comitê os  enólogos devem estar na casa há mais de 15 anos. Marie Charlemagne integra o comitê júnior, que também participa das definições dos blends finais dos champagnes Clicquot e futuramente podem integrar o comitê principal. “Hoje o comitê júnior é composto quase em sua totalidade por mulheres e a meta é termos participação igualitária de gêneros no comitê sênior futuramente”. E há diferença na abordagem feminina para se fazer vinhos? Segundo Marie Charlemagne não. A forma de trabalho é a mesma, apenas na descrição dos vinhos a enóloga nota que as profissionais são mais minuciosas e detalhistas. E quando se fala em Champagne, os detalhes fazem diferença. 

Veuve Clicquot La Grande Dame 2012
Champagne, França
R$ 1.600,00 (preço médio)

Dégorgement em fev./2020. No primeiro momento, o nariz chega a confundir quanto à grande presença da Pinot Noir (90%), tamanha a delicadeza das notas. Casca de cítricos, flores brancas, suspiro, fermento cru e talco, são seguidos de um frescor contundente, o que reforça o lado cítrico na boca, com borbulhas muito finas e integradas, mas com densidade e cremosidade que só se encontram nestas categorias de champanhe. Final longo, limpo, mineral, nenhuma doçura perceptível e acidez pulsante.