Nicolas Joly e o tempo

Para o enólogo e produtor francês, um dos papas do biodinamismo, o período em que o vinho passa em decantação é parte essencial do prazer que a bebida pode proporcionar

Fotografia: Divulgação
Miguel Icassatti

Miguel Icassatti

O enólogo e produtor francês Nicolas Joly é considerado um dos próceres da vitivinicultura biodinâmica. Se hoje a valorização, o cuidado e, vá lá, a comunicação em relação ao conceito de terroir é algo amplamente difundido nos dias de hoje, em 1984, quando ele converteu as suas vinhas à agricultura biodinâmica, o tema ainda era incipiente, para não dizer controverso.

Em suas propriedades que datam da época dos monges cistercienses no século XII – há um antigo mosteiro dentro de uma delas –, Nicolas Joly cuida (existe palavra melhor para definir essa relação entre ele e suas plantas?), literalmente, de vinhedos localizados em encostas íngremes no Vale do Loire, nos quais reina a uva Chenin Blanc. Joly deixa os bagos amadurecerem ao máximo, até o ponto de serem infectados por microrganismos, quando, ele acredita, a uva apresenta sua máxima expressão, que se traduzirá na mineralidade dos vinhos.

Do campo, o biodinamismo de Joly se estende à vinificação – da qual ele é adepto da mínima intervenção – e ao engarrafamento dos vinhos, que acontece a partir de um calendário que se baseia na influência da lua, do sol e das marés. Sua produção quase artesanal, para padrões atuais, é de cerca de 45.000 garrafas por ano, e se divide entre os vinhos Clos de la Bergerie, Les Vieux Clos e Coulée de Serrant, este um dos mais emblemáticos vinhedos do mundo, com apenas 7 hectares de videiras de 35 a 80 anos de idade. Foi plantado pela primeira vez há quase 1000 anos, justamente, por monges cistercienses, e já passou das 890 safras produzidas!

E não é exagero dizer que a filosofia biodinâmica de Joly prolonga-se ao decantador e à taça de quem bebe seus vinhos já que, paar o produtor, quanto mais tempo o vinho ficar em decantação, melhor ele ficará. Simples assim. Não estamos falando de duas ou quatro horas em decantação, mas de dois dias, ou seja, 48 horas. Para atestar o que Nicolas Joly apregoa, a Clarets, importadora de seus vinhos para o Brasil, realizou uma degustação de quatro amostras: Les Vieux Clos 2018 (R$ 399,60), La Roche Aux Moines Clos de La Bergerie 2018 (R$ 549,60), Clos de La Coulée De Serrant 2018 (R$ 849,60) e Clos de La Coulée De Serrant 2019 (R$ 849,60).

As três primeiras garrafas foram abertas três horas antes da prova e a última, com 48 horas de antecedência. No comparativo entre os dois Coulée De Serrant, em que pese a maior juventude do 2019, este vinho mostrou-se mais elegante e prazeroso, íntegro, sem qualquer sinal de oxidação. Atemporal, vivaz, como é a relação entre Nicolas Joly e seus vinhos.

Detalhes da Prova:

Les Vieux Clos 2018: Aromas minerais e complexos, com alguma alusão a um bom Tawny, afinal, são 15% de álcool. Na boca, é quente, sápido, com grande acidez e frescor, além de longa persistência. 93 pontos.

La Roche Aux Moines Clos de La Bergerie 2018 (15,5% de álcool): Revelou-se perfumado, com toques florais e aromas de frutas em calda, mel, cítrico, “achampanhado”. Untuoso ao paladar, mais encorpado e com leve dulçor, uma boa opção para ser degustado com foie gras, por que não? 94 pontos.

Clos de La Coulée De Serrant 2018 (15% de álcool): Notas tostadas, de frutas secas, entre as quais nozes, mel e álcool presente. Na boca, é sápido, com toques cítricos, encorpado e untuoso, com looongos 10 segundos de persistência e acidez. 96 pontos.

Clos de La Coulée De Serrant 2019 (15% de álcool): De início, mais discreto nos aromas, com dulçor sutil de biscoito, alusivo às leveduras, e muito elegante. Na boca, as 48 horas de decantação permitiram que o vinho mostrasse toda sua força, corpo, elegância e integridade. 97 pontos.