Da conveniência para a experiência

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Juan Saavedra

Juan Saavedra

Os serviços de aplicativos para delivery, como IFood, Uber Eats e Rappi, têm cada vez mais penetração na mente dos consumidores que pedem comida em casa. O IFood lidera, com mais de 80%, de acordo com da Galunion, consultoria especializada em projetos no segmento de foodservice com sede em São Paulo.

Ainda assim, é fundamental que os restaurantes tenham seus próprios canais de venda para manter contato com consumidor, recomenda a CEO da Galunion, Simone Galante, a consultora que acumula quase 30 anos de experiência no setor.

Em entrevista à GULA, via áudio, ela falou sobre o mercado de delivery, a possibilidade de novos operadores e o que é preciso que os aplicativos – e os próprios chefs – façam para reter o consumidor tão logo haja uma evolução consistente no quadro sanitário do País.

 

Confira a entrevista.

1. Com a pandemia, os restaurantes têm sofrido com as restrições para a abertura de seus salões e lojas, seja com lockdown ou com restrições de horários e ocupação. A consultoria Galunion, em suas pesquisas, vem constatando um progressivo aumento da importância dos serviços de delivery no faturamento das empresas desde antes da pandemia até hoje? E quais são os números mais marcantes nesse período?

Simone Galante – Sim, temos constatado um aumento de importância no aumento do delivery no faturamento das empresas. Em maio de 2020, 72% dos respondentes das nossas pesquisas haviam tido queda de venda superior a 51% em relação ao ano anterior. Dos respondentes, 67% não conseguiam faturar, através do delivery, nem 30% do que faturavam antes. Na época, só 19% deles acreditavam que iria demorar mais de um ano para os negócios voltarem à situação de vendas e lucratividade antes da pandemia. As pessoas estavam muito mais otimistas do que foi a realidade.

Em agosto de 2020, quando se olhava a situação de venda do setor, 60% ainda estava com queda superior a 51%, ou seja, tinha melhorado um pouco; e 70% já estava reabrindo, mas o movimento no salão ainda estava tímido, e a grande maioria não estava conseguindo fatura nem 30% no salão do que antes, por conta da falta de confiança do consumidor, dos horários ainda limitados e, também, por conta da falta de renda do consumidor.

Em novembro, o mercado estava muito mais otimista e a realidade era que só 27% permaneciam com redução de vendas com relação ao período do ano anterior. O público ainda não tinha voltado por completo e havia regiões em que existia o trabalho híbrido e algumas localidades ainda estavam bem afetadas. Em média, se tinha a notícia que 21% do faturamento do mercado, como um todo, vinha do delivery.

Bom, mas fomos investigar quem operava com delivery como e que estava a situação. Quem operava com delivery em 2019 tinha tido 27% do seu faturamento em delivery. Isso tinha aumentado para 38% em 2020. A realidade é que, agora, em 2021, esse número ficou na marca de 45%. Então, temos visto um impacto muito maior do delivery.

2. Qual a proporção maior? Os aplicativos de terceiros para a entrega como os aplicativos de marketplace (Ifood, Rappi e Uber Eats) ou os serviços de delivery próprio? E quais os números (%) de participação?

Simone Galante - A gente fechou o ano com o Ifood sendo a primeira forma de fazer captação de pedidos delivery e takeway, com 80% de penetração no mercado; Whatsapp, com 60%; telefone, com 52%; Uber Eats com 29%; e Rappi 25%. O aplicativo próprio atingindo as redes, 23%, e o site (e-commerce próprio), 22%

 

3. Na análise da Galunion, quais os prós e contras de aderir aos aplicativos de terceiros ou desenvolver seus canais próprios de venda? É vantajoso estar em todos os canais?

Simone Galante - Para nós é fundamental ter canais próprios de venda para manter contato com consumidor. E nós também entendemos que são canais com possibilidade de rentabilidade um pouco maior para o operador. No entanto, os aplicativos já detêm a preferência do consumidor. Então, para conseguir operar e atingir todo o mercado-alvo, muitas vezes deve fazer a cobertura com aplicativos de terceiros. Na nossa opinião é um jogo de soma. A gente acredita que se deva trabalhar tanto com os marketplaces e outros canais de venda próprios como as mídias sociais e outros locais. E fundamental é o modelo de programas de fidelidade para o seu consumidor. É uma forma com que você possa agregar mais serviços e privilégios para aquele consumidor que é fiel à sua marca.

 

4. No mercado gourmet de restaurantes, como vê a movimentação de dos principais apps para atrair esse nicho de chefs a suas plataformas? Qual o ganha-ganha para as duas partes? Quais iniciativas chamam atenção?

Simone Galante - Gosto muito de iniciativas que colocam sabor e experiência juntos. Esse é o principal motivador para que esses aplicativos queiram estar com os chefs dentro dos aplicativos. É uma forma dele ampliar as ocasiões de consumo. Então, os aplicativos saem do jogo somente da conveniência, que é um jogo muitas vezes pautado em preço e promoções, e vão para outras ocasiões de consumo, de desejo, de encontros, e isso ajuda todo um processo de amplitude dos aplicativos. Então, entendo a proximidade desses aplicativos com os chefs nesse sentido. E eu também vejo que possa ser um ganha-ganha para os próprios chefs, para dar mais visibilidade às marcas e conquistar novos públicos, em especial quando tem Semana Gourmet, quando tem algum tipo de prato de entrada para que as pessoas entendam aquela culinária ou quando os chefs têm culinárias étnicas. Aí pode ser vantajoso. No Brasil ainda carecem algumas iniciativas de experimentação de novos sabores e isso pode ser muito bom.

5. Qual o market share de Ifood, Rappi Uber Eats? Afora os três aplicativos mais conhecidos, há algum entrante que possa ameaçar a liderança deles?

Simone Galante - Não temos exatamente o market share. Fora esses três aplicativos mais conhecidos –Ifood, Uber Eats e Rappi –, a entrada de players como o Magalu e outros operadores que hoje se encontram em outros segmentos, como o Mercado Pago, pode dar uma bagunçada. O que vejo é uma disputa por relevância para o consumidor final, para ver quem realmente terá a preferência desse consumidor e, principalmente, sua confiança. Para isso, qualquer aplicativo ou marketplace tem que ter bons parceiros. Os marketplaces que conseguirem fidelizar as marcas mais desejadas pelos grandes consumidores, certamente estarão à frente.

6. Num futuro que todos esperam próximo, após a vacinação em massa, é possível imaginar um refluxo na maneira de adquirir serviço de foodservice, antes limitado a poucos serviços além das pizzarias? Esse mercado de delivery tende a encolher ou a conveniência que os restaurantes e demais segmentos vêm procurando demonstrar, com novos serviços, seguirá relevante?

Simone Galante – Nós, aqui na Galunion, acreditamos que o delivery permanecerá relevante. Até porque ele cobre outras oportunidades de consumo que não propriamente a do restaurante. Quando você realmente não estiver disposto a ir a um restaurante, quando precise e quiser se alimentar, você vai continuar usando. O consumidor já criou um hábito que mostra ser possível fazer dessa forma. Mas ainda há muito a melhorar a percepção do consumidor. Ele ainda está mais nichado na conveniência e nas promoções. Existe uma oportunidade de ampliar a experiência e fazer com que haja um encantamento desse cliente. Para isso, os operadores vão ter que trabalhar fortemente nas imagens, em fotos que sejam reais à da experiência do prato quando chega à casa do consumidor, que dê as sensações de quente e frio, que dê o sensorial necessário, que gere os pensamentos e as percepções e que ative pensamentos. Talvez com um bilhete personalizado, com uma música ou com qualquer outra surpresa, para que isso gere memórias para os consumidores. Com essas memórias, ele vai permanecer fiel àquela experiência.