Diversificando a carteira

Fotografia: Divulgação
Juan Saavedra

Juan Saavedra

Mesmo em um ano abaixo das expectativas, o Ráscal tem o que celebrar.  Em meio às incertezas típicas desses tempos, o grupo paulistano perseverou em uma agenda positiva. A primeira boa notícia veio ainda em 2020: a inauguração de uma nova marca, a Fattoria Ráscal, no Conjunto Nacional, um dos símbolos da Avenida Paulista. Outra boa surpresa veio em março, com o anúncio da compra de 60% de participação na rede Più/Piccolo, de cozinha italiana. O Ráscal tornou-se sócio do chef Marcelo Laskani, que lidera a cozinha já reconhecida com um Bib Gourmand. São quatro restaurantes em São Paulo: três do Più, com matriz em Pinheiros, e duas unidades em shoppings (Iguatemi e Higienópolis). Outra unidade é do Piccolo, também em Pinheiros, mas fechado durante as restrições da pandemia.

 

Confirmando seu apetite por diversificação, o Ráscal anunciou ainda em março outra sociedade com Julio Raw, do Z Deli Sandwiches. Juntos, abriram a hamburgueria Jota, no shopping Cidade de São Paulo. Nenhum dos negócios teve divulgado o volume de investimentos.

 

No total, são 20 unidades: 10 da marca Ráscal, uma do KFÉ Ráscal (shopping Villa Lobos), uma do Fattoria Ráscal, uma do quatro da rede Più, uma do Jota e três do Cortés Asador, casa de carnes à moda argentina com lojas em São Paulo, Guarulhos e Rio. Juntando todas as casas são cerca de 1.100 funcionários.

 

Em entrevista à GULA, a diretora de marketing do grupo, Luisa Bielawski, fala sobre os novos negócios ao lado de Rodrigo Testa (CEO) e as estratégias que adotaram para atenuar os efeitos da pandemia. Conta, ainda, suas expectativas para o novo desenho do mercado e faz ainda um apelo aos governos em diversos âmbitos. “Muitos estão trabalhando pagando a conta de hoje e rolando a de amanhã. Se não tiver uma política pública específica para o setor de restaurantes, muita gente vai fechar.”

 

GULA – Por que o Ráscal tem buscado diversificar seus negócios e qual é o racional de cada um deles?

 

Luisa Bielawski – Até pouco tempo estávamos trabalhando com duas marcas, o Ráscal e o Cortés. A gente entende que já cobriu, com o Ráscal, uma boa parte dos bairros de São Paulo que ficam dentro do nosso perfil de cliente. Então, a nossa estratégia é crescer com marcas associadas, como o Fattoria Ráscal, que tem o mesmo tipo de cozinha mediterrânea, com muita salada e massa caseira; e marcas não relacionadas – como o Cortés, de carnes, que é um negócio bem diferente. E o Jota e o Più também se encaixam nessa categoria. São marcas com outra personalidade. O Fattoria Ráscal é um projeto que a gente já vinha desenvolvendo antes da pandemia. A unidade já estava no final da obra, e inclusive com os funcionários contratados, quando a pandemia começou, em março do ano passado. Tivemos que pausar o projeto e esperar a melhor fase para retomar a obra. Inauguramos em dezembro.

Claro que a gente esperava, em dezembro, que as coisas já estivessem melhorando. Porque nos meses anteriores havia um movimento de queda no número de casos. Então, estávamos mais otimistas. De todo jeito, era um projeto que já estava praticamente pronto.

 

Já o Jota é uma conversa antiga que a gente tinha com o pessoal do Z Deli. Admiramos muito o trabalho, de forma mútua, e fazia tempo que conversávamos sobre a ideia de atuar na área de fast food. Eles buscavam uma empresa maior, sólida, para poder desenvolver um projeto que tivesse um potencial de crescimento, que conseguisse estruturar um crescimento, o que não é fácil. Estar com eles, que são experts nesse segmento de hambúrguer, é muito bacana. É uma parceria meio a meio e estamos animados. Tem dado bons resultados.

 

O caso do Più é um pouco diferente. É uma marca que a gente sempre gostou, como cliente, que sempre frequentamos, eu, minha família e meus sócios. É um lugar que trabalha dentro do ticket médio que gostamos de trabalhar. No Ráscal, não fazemos alta gastronomia. Trabalhamos no segmento de cozinha casual. E o Più é um restaurante em que você não sai sofrendo com o quanto gastou. É um segmento que nos interessa. Uma cozinha descomplicada, de fácil aceitação. E sempre gostamos muito do trabalho de Marcelo Laskani, que é um chef muito criativo e com muita qualidade.

 

Além do que, é uma marca da qual as pessoas gostam muito, um lugar em que nós e nossos amigos sempre combinamos de jantar lá. Então, como a gente frequentava bastante, conhecíamos bem o Marcelo. Ele precisava de sócios para entrar no lugar que estavam saindo e buscava sócios que aportassem trabalho, que ajudassem. Vamos manter a autonomia da marca. O Marcelo vai seguir o mesmo estilo de criação e o mesmo processo que ele seguia antes, mas agora conta com um baita apoio de operação e de gestão. Assumimos essa parte e o restaurante vai ficar mais apoiado.

 

GULA - A ideia seria replicar o Più e ampliar o número de unidades em outros bairros da cidade, assim como aconteceu com o Ráscal?

 

Luisa Bielawski – As pessoas acham que o Ráscal é maior do que é. Mas só estamos em São Paulo e no Rio. Acredite se quiser: não fazemos esse tipo de plano. A compra do Più não foi uma coisa planejada. Não temos um plano. O que estamos fazendo é por a casa em ordem, e inaugurar a unidade em Higienópolis (em São Paulo), o que é muito para esse momento. Agora, precisamos de um tempo para conseguir cuidar de tudo isso. Depois, vamos vendo.

 

 

GULA – A pandemia afetou o setor de restaurantes e o próprio Ráscal, ainda em abril do ano passado, anunciou o fechamento de unidades no Rio de Janeiro. Ao longo desses quase 15 meses, como o Grupo se reorganizou para atenuar os efeitos das restrições na abertura das lojas?

 

Luisa Bielawski – A gente foi muito atingido pela pandemia. E tivemos muito prejuízo. Nosso negócio tem um custo fixo muito alto e, às vezes, qualquer variação faz uma diferença grande nos resultados. E a pandemia veio de uma hora para outra. Eu falo que veio como um tsunami. Foi muito rápido. Nem deu tempo de correr. Quando isso aconteceu, sabia que seria um período difícil. Começamos um trabalho de redução de custo e começamos a nos preparar para uma guerra.  Então, a primeira coisa que fizemos foi fechar essas duas unidades do Rio. Por quê? No Rio, precisávamos ter outra estrutura de supervisão. Aqui, temos uma estrutura de gestão e de supervisão que atende um número grande de restaurantes. E é mais difícil operar no Rio. Os custos são maiores: conta de gás, luz, água, tudo é mais caro. O custo da mercadoria é mais caro e o imposto é mais alto. É uma operação mais difícil. E não tínhamos certeza se a escolha dos pontos havia sido ou não a ideal. Com a pandemia, percebemos que não daria mais para manter essas unidades. Tentamos ter o menor um impacto possível. Prevíamos um cenário muito difícil, mas foi mais do que pensávamos. Principalmente este ano. Não esperávamos essa piora e essa variante nova. Acho que, agora, com a vacina, talvez possamos entrar em uma fase melhor, mais devagar do que gostaríamos, mas vamos chegar lá.

 

 

GULA – Com as lojas fechadas ou sob várias fases de restrições, como foi a entrada no mercado do delivery? Como tem sido o resultado?

 

Luisa Bielawski – Entramos nesse segmento um ano antes da pandemia. Até fizemos uma tentativa uns anos atrás, mas a gente não se encontrou e daí, um ano antes, decidimos tentar de novo, uma vez que o mercado estava em crescimento. Tínhamos muita resistência, em parte porque acho que nada substitui o salão. Eu mesma peço muito delivery. Mas não é a mesma coisa. Como o delivery virou o único canal possível por bastante tempo, era uma alternativa que atendia ao momento.

 

Quando começou a pandemia, tínhamos apenas 4% de delivery. E praticamente era só pizza. O Ráscal só começou a fazer pizza e os pratos mais clássicos. Hoje, olhando para trás, é óbvio, mas não era tanto quando veio a pandemia, quando se tinha menos prejuízo deixando as pessoas em casa do que operando o delivery.  Então, no começo, a gente se deparou com essa questão. Mas tomamos a decisão certa. Pensamos que quando voltasse o salão, o delivery continuaria sendo um complemento importante e iríamos precisar dele para tornar a operação viável. Mas, logo no primeiro mês, percebemos que o delivery valia a pena porque foi crescendo muito rápido. Quando começou a pandemia, era 4%. Mas virou 15%, depois 20% e três meses depois já estava em 25%. Hoje, é 30% do faturamento do grupo. Tem unidades que não fazem delivery. Algumas casas não fazem e outras chegam perto de 40%.

 

A primeira etapa foi assim: "Vamos pegar estes clássicos, que estão em duas lojas e colocar em todas.” A segunda etapa foi pensar que outros pratos a gente poderia agregar. Na terceira etapa, criamos os bowls. Percebemos que os produtos do buffet, que são em temperatura ambiente, viajam bem. E nos perguntamos como levar esses produtos para o delivery, pois eles mudam todo dia e era difícil ter um cardápio disso.

Então, criamos um menu fixo de bowls com produtos fixos, e em outra etapa, abrimos para o cliente montar o próprio bowl. Temos planos de colocar a opção do dia, mas ainda não chegamos aí. A cada vez que implantamos uma ação, temos que reproduzir em todos os restaurantes, os daqui e os do Rio. Então, leva um tempo porque temos que treinar todo mundo, temos que acompanhar implantação. O Ráscal não é industrializado. Tudo é feito no restaurante. Não tem uma cozinha central. Então, temos que treinar os cozinheiros de cada unidade, acompanhar, aprender.... É mais demorado.

Paralelamente a essas inserções, aprendemos a fazer a comunicação digital. Começamos a trabalhar mídia, melhorar o site, trabalhar o CRM e trabalhar com nosso mailing de clientes. A gente foi desenvolvendo essas frentes e contratamos pessoas para trabalhar conosco.

 

GULA – Com as mudanças no próprio regime de trabalho nos escritórios, em que o home-office é tendência mesmo após a vacinação, como o grupo vê o cenário de sua atividade a longo prazo?

 

Luisa Bielawski – Acho que o mundo inteiro está tentando adivinhar essa resposta. Ninguém sabe onde vai equilibrar essa balança – se com home-office ou trabalho presencial. Acreditamos que haverá uma redução do movimento de segunda a sexta no almoço corporativo. No fim de semana, não acreditamos que tenha essa redução, nem à noite. Se tiver, será muito pouco. Qual vai ser o tamanho dessa redução, não sabemos. Uma parte das pessoas deve passar para o home-office e outras para o híbrido. Mas mesmo trabalhando em casa, uma parte das pessoas sai para comer fora. Hoje, não está saindo por causa da pandemia, mesmo, mas sairia para encontrar um amigo ou mesmo para uma reunião de trabalho, ainda que trabalhando em casa. Onde isso vai se equilibrar, qual é o percentual, não sei. Talvez seja menor do que o estão supondo. Acho que ninguém sabe e há muita especulação. O que a gente acha é que ganhou um mercado novo, que não tinha, que também deve diminuir um pouquinho, quando as pessoas puderem voltar sair, porque é mais gostoso comer fora do que pedir um delivery.

 

O delivery deve diminuir um pouquinho do que está. O salão, de segunda à sexta, deve ser pouquinho menor do que está, mas deve se equilibrar. Essa é a nossa aposta. Mesmo trabalhando de casa, as pessoas saem. Quando você não sai durante a semana, existe uma compensação.

 

 

GULA – O setor é um dos mais afetados da economia brasileira. De que modo avalia esse cenário ainda com tantas incertezas?

 

Luisa Bielawski – Esse momento é muito difícil para o setor de restaurantes. Acho importante chamar atenção dos governos para a situação que o mercado está vivendo. Em outros países houve políticas específicas e isso não aconteceu no Brasil. Os restaurantes, no geral, estão muito endividados. Por melhor que sejam suas estratégias, e por mais preparados que os restaurantes estejam, o prejuízo é grande demais. Se há um setor que precisa de medidas especificas, é esse. Todo mundo que trabalha com restaurante é muito apaixonado. Tivemos a sorte de ter conseguido, mas muitos estão trabalhando para pagar a conta de hoje e rolando a de amanhã. Se não tiver uma política pública específica, muito mais gente ainda vai fechar.