Mudança de planos

Fotografia: Divulgação
Juan Saavedra

Juan Saavedra

Em 2020, a pandemia adiou bilhões de planos. Inclusive os de Manu Buffara. Dona do aclamado Manu, em Curitiba, a chef paranaense teve que reescrever seu script.

 

Primeiramente, foi preciso postergar a inauguração do Ella, em Nova York. Acalentado desde 2018, o projeto estava em fase adiantada quando o novo Coronavírus chegou de modo avassalador. A ideia original era abrir ainda em 2019. Depois, a data passou para o verão de 2020. Com a Covid-19, o cronograma ficou em banho maria. 

 

"A cidade foi uma das mais atingidas pela pandemia. Até hoje, os restaurantes em Nova York não estão abertos”, explica Manu em entrevista à Gula. “O que era para ser aberto, 25% da capacidade, também não foi liberado devido ao alto número de casos, que voltaram a subir. Então, a gente decidiu não abrir”, prossegue ela, referindo-se a uma decisão tomada com os sócios americanos.

 

Os planos agora são de promover a esperada inauguração ainda no mês de março. Há mais de um ano o endereço está definido: 436 West 15th Street, no badalado bairro de Chelsea, perto da High Line e ao lado do Chelsea Market.  A decisão dependerá, claro, das condições sanitárias.

 

Se a aposta der certo, Manu despacha para a Big Apple, em janeiro ou fevereiro, dois colaboradores de longa data: Lucas Correia (sous-chef) e Deibd Rodrigues (salão).  Ambos terão a responsabilidade de manter o padrão que fez do Manu um sucesso de prestígio internacional e que rendeu à sua proprietária reconhecimentos como o The Best Chef Awards.

 

Mas o Ella terá diferenças marcantes: em vez de menu degustação que já fez muita gente viajar para Curitiba, o serviço será a la carte. Os clientes disputarão mesas que totalizam 98 assentos, quase cinco vezes mais que a capacidade habitual do Manu (20). "É uma casa mais descolada. Quero levar a comida brasileira de uma forma mais bacana, mais chique, mais contemporânea", explica Ms. Buffara, como já foi chamada pelo The New York Times. O menu do Ella foge dos estereótipos. "Não é o que eles [americanos] conhecem do Brasil: churrasco, feijoada... Tem ostra, tem ouriço, tem bons produtos do mar."

 

Apesar da distância de quase 8 mil quilômetros, Manu pretende conciliar o comando dos empreendimentos. "Devo ir uma semana a cada mês. Tentar viajar nas datas em que o Manu está fechado [domingo, segunda e terça]. O Ella será diferente. É uma comida mais desenrolada e despretensiosa. É um pouco mais fácil de lidar."

tartar de cordeiro, couve e picles de cebola

 

Os planos preveem abrir mais unidades com a marca. "Quem sabe não há oportunidade de trazer o Ella para o Brasil?", sugere. "Quero deixar rolar. Se for uma grande oportunidade, a gente vai agarrar", acrescenta a chef, logo depois de descartar a hipótese de levar o conceito do Manu para outras capitais brasileiras.

 

"Já surgiram propostas de abrir no Rio e em São Paulo. Mas neguei várias. O Manu é feito de pessoas, do lugar de onde venho, da minha comunidade, da minha cidade. O lugar a que pertence é Curitiba. Por enquanto, não tenho em mente tirá-lo daqui."

tábua de queijos brasileiros

 

MANUZITA: ALTERNATIVA DURANTE A PANDEMIA

 

Enquanto os planos de ganhar outros paladares não evoluem, a maringaense de 36 anos dedica-se à sua rotina.

Um dia a dia, aliás, totalmente mão na massa. No primeiro contato da coluna para uma entrevista, respondeu: "Estou na estrada, voltando da horta", pediu desculpas.

É notório que Manu gosta do contato direto com os fornecedores. “Não compro de terceirizados. Vou direto na fonte."

Um de seus 15 auxiliares, o motorista, tem a missão de buscar nos arredores itens tão diversos como leite, queijos e grãos, além de pescados e crustáceos em Matinhos (PR) ou Itajaí (SC).

Depois de quase seis meses de portas fechadas, o Manu foi reaberto em 1º de outubro, mas com número reduzido de mesas: quatro de dois lugares e uma de quatro, para apenas 12 comensais simultaneamente. Sempre seguindo todos os protocolos previstos pelas autoridades de saúde.

Nesse meio tempo, criou o Manuzita, que faz entregas, inclusive com take-away pela própria janela da casa instalada no bairro do Batel (Alameda Dom Pedro II, 317).

"A gente precisava de uma forma de entrar no delivery. É um jeito de ajudar quem não estava vendendo, quem estava fechado. E de mostrar para o nosso público, para a população, quem são essas pessoas", diz ela, em referência aos produtores locais.

Nenhum deles sucumbiu aos efeitos econômicos da pandemia, segundo ela. “Graças a Deus, a gente não perdeu nenhum fornecedor. Continuamos trabalhando com todos. Tentamos muitas coisas para ajudar. Indicamos, por exemplo, condomínios de amigos para que eles pudessem vender e sobreviver."

A qualidade dos produtos é essencial, mas o segredo do negócio, segundo Manu, não está no custo dos ingredientes. "Quando alguém vai a um menu degustação, paga por uma experiência, pela criatividade do chef. Não pelos ingredientes. Quando a gente percebe isso, começa a entender que não precisa de produtos caros. Precisa de inteligência. No meu restaurante eu sou paga para criar.”

Ela reconhece que demorou um certo tempo a alcançar o ponto de equilíbrio entre receitas e custos. O que não muda é a visão socioambiental. Manu se preocupa com tudo: da qualidade de vida dos funcionários ao uso consciente dos alimentos.

"Depois da pandemia, todas as pessoas donas de restaurante, cozinheiros, chefs e até proprietários, vão ter que pensar não só no seu restaurante, em torno do lucro, porque as pessoas que ficaram em casa vão procurar ambientes que tenham mais sustentabilidade, que tenha esse trabalho, esse entorno social, que você consuma melhor, que você pense melhor na forma comunitária e em compartilhar”, destaca ela ao falar das perspectivas do setor – um dos temas de sua palestra no evento Open Food Innovation Summit.

“O restaurante, hoje, mudou o papel dele”, prossegue. “Não é apenas o de servir comida. É uma forma de educar e de ser um exemplo. Muita gente vai ter que se adaptar nos próximos anos, no futuro, porque, da mesma forma que os restaurantes mudaram, as pessoas mudaram, e o cliente também mudou”.

Crédito das fotos:

1 - Manu Buffara no Manu - Henrique Schmeil

2. Tartar de cordeiro, couve e picles de cebola - Rubens Kato

3 - Manuzita_Queijos Brasileiros - Rubens Kato

4 – ManuBuffara no campo - Henrique Schmeil