Herança maldita

Fotografia: reprodução da internet
Redação

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Uma operação policial na Puglia com uma respectiva prisão sob a acusação de trabalho análogo à escravidão acabou por respingar na reputação de uma das estrelas em ascensão do cenário do vinho natural italiano.

 

Valentina Passalacqua (na foto) é uma vitivinicultora italiana, dona de 80 hectares na Puglia, adepta da agricultura biológica na vinha e da mínima intervenção na adega. Os vinhos que ela faz nos solos calcários locais com as castas autóctones da região como bombino e negroamaro se caracterizam por combinar alguma musculatura com uma acidez cortante. São leves, elétricos, com baixo teor de álcool e plenos de caráter e expressividade.

 

Tudo andava bem para a produtora que via, mesmo com toda a pandemia, os mercados abertos para os vinhos que faz. Com bons importadores nos Estados Unidos e no Reino Unido, conseguia estar com destaque em bons bares e restaurantes em cidades como Nova Iorque e Londres.

 

Mas a coisa virou em julho quando Settimio Passalacqua, o pai de Valentina, foi preso em uma operação policial, acusado de estar envolvido em uma prática conhecida como "caporalato". Segundo a polícia, os trabalhadores agrícolas, em especial imigrantes ilegais, são recrutados por intermediários, quase sempre ligados ao crime organizado, para trabalhar nas grandes propriedades, principalmente na época da colheita. O salário é muito baixo (pouco mais de € 3 por hora) e os recrutados são forçados a trabalhar longas horas com poucos intervalos, quando há, e, em seguida, são colocados em condições de pouca higiene e muitas vezes semelhantes a uma prisão. Muitas ONGs descrevem o caporalato como uma forma moderna de escravidão.

 

Settimo possui cerca de 2 mil hectares na região, onde cultiva frutas, cereais e vegetais. Mantido em prisão domiciliar, o pai de Valentina nega as acusações e rechaça com veemência qualquer envolvimento da filha na história. A produtora também se defendeu de forma firme e negou qualquer envolvimento com a prática. A polícia também não apresentou nenhuma evidência de que a filha tenha tido qualquer tipo de participação no esquema ou mesmo que fosse conivente com as práticas do pai. Mesmo assim, insistentes rumores levantaram questões acerca da conexão e da ligação entre os negócios de Valentina e Settimo. E é exatamente aí que os supostos malfeitos do pai respingaram com força na filha.  

 

Vários importadores e varejistas se distanciaram dos vinhos de Valentina, especialmente nos Estados Unidos. Dois dos maiores importadores de Nova Iorque, Zev Rovine Selections e Jenny & François Selections, bem como um importador em todo o estado, Dry Farm Wines, abandonaram os vinhos Passalacqua.

 

Em comunicado no site da empresa, Zev Rovine disse que “embora tenha dado a Valentina o benefício da dúvida... a ZRS não mais importará e venderá os vinhos de Passalacqua”. No Reino Unido, pelo menos um varejista independente, o Top Cuvée de Londres, anunciou que suspendeu as vendas de vinhos Passalacqua, “até que a situação fique mais clara”.

 

Valentina tem se defendido com força, procurando de toda forma se distanciar dos malfeitos do pai. E sustenta que o trabalho feito na propriedade dela é “conduzido inteiramente por sua própria equipe dedicada de trabalhadores locais”.

 

Em comunicado, a produtora não poupou Settimo. “Estou indignada com as condições de trabalho que meu pai é acusado de criar nesta fazenda, e ele deveria ser punido se fez o que é acusado”, afirmou Valentina. “Cada pessoa merece o respeito e a dignidade de um salário digno e de boas condições de trabalho, coisas que me orgulho de proporcionar na minha vinha”, concluiu.

 

No mesmo comunicado, Valentina acrescentou que estava "otimista" de que os antigos importadores voltassem a trabalhar com ela rapidamente. “Eles têm a certeza de que me culpar pelo que meu pai supostamente fez em uma empresa totalmente diferente da Passalacqua é contrário ao espírito de apoio a mulheres empresárias que administram operações éticas”, sustenta a produtora.

 

crédito da foto: Petter Backlund (reprodução da internet)