O auê na família Cabernet

Nosso colunista comenta a respeito da redescoberta da Cabernet Franc e destaca virtudes da Cabernet Sauvignon


Como entusiasta da Cabernet Franc estou encantado por sua revitalização: agora semanalmente provo algum novo rótulo com a uva, da Argentina, do Chile, do Uruguai e até do Brasil. Este “até” contém ironia, pois a Franc já mandou por aqui. Quem bebia nos anos 1980 se lembrará que havia uma variedade grande (e boa) de Cabernets Franc brasileiros, cito de memória Dal Pizzol, Clos de Nobles, Forestier, Château Duvalier e Adega Medieval.

Não era impressão de qualidade da época, recentemente tive oportunidade de revisitar alguns destes vinhos, com mais de 25 anos de idade, e estavam bastante bons.

E bebi um Chinon, o lugar de onde a uva veio (do Loire e adjacências) chamado “Pierre de Tuf” do Domaine de la Noblaie 2017 (importado pela Edega), que me encantou. Além da história singular, pois a pedra de “tuf” a que se refere o nome é o calcário da região, o mesmo que foi usado para construir os châteaux do Loire e que, no vinho em questão, é uma ânfora escavada dentro da rocha, com 500 anos de idade, onde acontece a fermentação. Um vinho excelente que ensina o que é esta uva.

Mas, a coluna é sobre a filha da Cabernet Franc, a Cabernet Sauvignon. Eu noto, tem uns quatro anos, crescente desprezo por esta uva espetacular. Andei organizando degustações, quando me mudei para um apartamento menor, com as garrafas que não caberiam no novo espaço, chamei estas provas de “Família Bebe Tudo”. As vagas eram preenchidas em 15 minutos, quando eu anunciava nas redes nova degustação.

Exceto a de Cabernets Sauvignon. “Você ainda bebe isto?” comentaram, ou apenas houve um silêncio entre estupefação e piedade. Zero inscritos e cancelei o evento.

Sou um entusiasta das novidades, gosto de saber das centenas de castas quase ou totalmente esquecidas que vão sendo recuperadas, este belo patrimônio, e tive boas surpresas com uvas de que nunca ouvira falar.

Mas, a Cabernet Sauvignon merece uma defesa, além de ser a uva dos grandes Bordeaux, em especial da margem esquerda, ela é uma boa antena de terroir, pois acho que não há país que não tenha seus vinhos com ela, e em muitos deles, como o Chile, a Espanha, até a Itália que tem tantas castas autóctones. Posso listar dezenas de deliciosos Cabernets Sauvingon que são preferidos, como o Mas la Plana dos Torres, oTarapacá Etiqueta Negra chileno, o Gandolini 3 Marias, também chileno, e segue. Falei antena de terroir pois a CS espelha bastante bem sua origem, um sulafricano é bem diferente de um português, um italiano mostra outras qualidades que um argentino, assim por diante.

A graça desta coluna resmungona é que, ao contrário de tanta coisa na vida, você pode beber todas as uvas, pode se encantar pelas novas CF e continuar tomando as CS. Em teoria, pelo menos podemos beber um vinho todo dia (eu, privilegiado, às vezes abro duas dúzias de garrafas numa semana), uma coisa não exclui a outra.

Segundo a primeira edição do grande livro de referência “Wine Grapes”, de Jancis Robinson, Julia Harding e José Vouillamoz, há 1368 diferentes castas de uvas; e eles estão trabalhando numa nova edição, onde estarão listadas cerca de 200 novas.

Vamos provar de tudo? Celebremos a volta da Cabernet Franc, não desprezemos a Cabernet Sauvignon e mergulhemos neste mundo de pluralidade líquida.

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