Para lá dos Retsina

Fotografia: DR
José João Santos

José João Santos

Na Grande Atenas vivem cerca de quatro milhões de gregos. Pela cidade, onde residem mais de 650.000 pessoas, passarão mais de cinco milhões de forasteiros a cada ano. Visitam a mais famosa acrópole do mundo, percorrem museus e o estádio olímpico onde termina a maratona das maratonas e dali partem para a descoberta de outros monumentos que lembram deuses, mitologias e civilizações.

 


Agora, as autoridades de turismo local pretendem continuar a incrementar o turismo através de um novo eixo, vinho e gastronomia. A GULA integrou uma comitiva internacional que tomou o pulso a uma nova indústria de enoturismo, apostada em desfazer preconceitos e conquistar novos públicos.

 

A Grécia é dos países que possui maior diversidade de castas autóctones. Nalguns registos surgem suspeitas que possam ascender a 350 variedades mas, tal como acontece em Portugal e muito devido a questões de sinonímia, será mais seguro apontar-se em torno das duas centenas. Seja qual for o número real, deste impressionante património genético importa esclarecer que apenas uma pequena parte tem verdadeira expressão final nos rótulos gregos, sendo os vinhos brancos aqueles que suscitam mais curiosidade.

Para esse crescendo de interesse em muito contribuiu Jancis Robinson, a mais influente mulher do mundo do vinho. Nos últimos anos, a jornalista, crítica de vinhos, autora de vários livros e Master of Wine confessou-se surpreendida com a qualidade e diferenciação dos vinhos brancos gregos. Mais recentemente, os tintos de castas autóctones mereceram igualmente bons apontamentos da também cronista da Revista de Vinhos, embora nessa fase já a sempre curiosa tribo do vinho estivesse atenta à evolução em terras helénicas, nem tanto dos exemplares oriundos do lado continental mas os de ilhas como Santorini.

De acordo com as mais recentes estatísticas da OIV – Organização Internacional da Vinha e do Vinho, em 2018 a Grécia ocupava a 17ª posição do ranking mundial de países produtores, com dois milhões de hectolitros, abaixo da Áustria (3 mhl) e um pouco acima da Geórgia (2 mhl) –Itália (48,5 mhl), França (46,4 mhl) e Espanha (49,9 mhl) são os três primeiros, Portugal surge na 11ª posição (5,3 mhl).  


Disseminada pelo continente e pelas várias ilhas gregas, a produção de vinho na Grécia é mais do que milenar. No caso da maior região de produção de vinho grega, Attica, remontará a mais de 3.000 anos, tendo registado avanços significativos nas épocas Bizantina e no Império Otomano. Todavia, a praga da filoxera, na segunda metade do século XIX, e as duas Grandes Guerras praticamente dizimaram as vinhas.

Os primeiros sinais do renascimento são dados na década de 60 do século passado. Resgatando práticas ancestrais dos vinhos de ânfora, os gregos tentaram rapidamente alavancar a produção com os vinhos Retsina, que possuem claramente dois degraus de qualidade: os que são elaborados com cuidado e detalhe, interessantes pela forma como se apresentam no nariz e na boca, e todos os restantes, menos equilibrados e angariadores de uma certa má fama.

A resina de pinheiro é usada nas ânforas com o duplo propósito de ajudar a vedar as paredes de barro, protegendo o vinho de uma oxidação mais rápida, e ainda para conferir uma componente aromática (floral e balsâmica) vincada, capaz de esconder aspetos menos nobres de uvas nem sempre com maturações corretas e, pior, uma enologia mais desatenta. A massificação dos Retsina, especialmente consumida nas tabernas de Atenas, motivou a criação de uma imagem menos positiva dos vinhos gregos, com os maus exemplos a contagiarem todos os outros.


Apercebendo-se da necessidade de contrariar o estigma, a atual legislação obriga a uma adição máxima de 1kg de resina por hectolitro de vinho, durante o processo de fermentação, apenas com o intuito de o aromatizar, sendo depois removida. Savatiano e Roditis são as variedades recorrentes, originando brancos e rosés sempre muito salinos, frequentemente sujeitos a gerar depósito no fundo da garrafa, com teor alcoólico em torno dos 12%. 

 

Vinho, gastronomia e enoturismo

 

A convite da Região de Turismo de Attica, a GULA foi o único órgão de Comunicação Social brasileiro a integrar uma Press Tour com vários meios internacionais e operadores turísticos, que se realizou no final de 2018 com o objetivo de dar conhecer novos pretextos de visita à região da Grande Atenas. O vinho e a gastronomia constituem um eixo complementar de promoção e atração turística sob o chapéu “Attica Wine & Food Experience”. A ideia é explorar os produtos gastronómicos da região e os vinhos, criando roteiros de visita complementares ao património e à paisagem. Especificamente no caso do vinho, estão já identificados produtores que vão apostando no enoturismo para captar visitantes (sobretudo estrangeiros que escolhem Atenas como epicentro de descoberta da Grécia) e dar-lhes a conhecer um lado menos divulgado nos postais ilustrados.


Como sempre nestas coisas, o caminho faz-se caminhando. Os produtores que neste momento procuram mudar a face dos vinhos de Attica parecem sobretudo apostados em afastar-se dos Retsina mais duvidosos. Numa estratégia que poderá ser questionada, até porque o mundo do vinho continua sedento por novidades, pelos locais que visitamos a opção mais vincada passa por recorrer a castas francesas que todos conhecem, nuns casos vinificando-as a solo, noutros criando lotes com variedades nativas gregas. O pensamento, dizem-nos, é usar as castas francesas como chamariz para a descoberta das autóctones gregas, quase sempre com nomes estranhos e impronunciáveis para o mortal europeu e o norte-americano. Crê-se que depois de aberta essa porta fique escancarada a descoberta para tudo o resto. A ver vamos.


A jornada começou pela Gikas Winery, em Spata. O projeto familiar obriga-nos a viajar no tempo, até 1875, estando hoje bem afirmado e com as vinhas plantadas nas encostas de Kithairon, orientação norte-sul, em solos de areia e argila, altitudes entre os 350 e os 400 metros. O encepamento privilegia as brancas Assyrtiko e Malagouzia, estando os tintos dominados pelo Cabernet Sauvignon, Syrah e Merlot. Há ainda o Pine Forest, elaborado com a tal resina de pinheiro, da casta Assyrtiko. 

Igualmente com lastro do tempo, o Domaine Vassiliou encontra-se na zona de Koropi. A família começou a produziu em 1905 e hoje tenta manter estável o sempre difícil mas saudável equilíbrio entre passado e presente. Foi deste produtor o vinho que a Revista de Vinhos mais apreciou – o Domaine Vassiliou Fume Savatiano 2016, um branco de cor dourada, nariz de pêssego e polpa de fruta branca, suave nota de querosene, muito elegante e fresco, que finaliza longo e de forma bastante sedosa.

Pyrgos Vasillissis, vulgarmente conhecido por Queen’s Tower Winery, assemelha-se a um château bordalês muito por culpa da casa com traça de castelo que funciona como um pequeno museu que ajuda a interpretar diferentes épocas e reinos. É uma propriedade com um total de 25 hectares, em Ilion, muito bem tratada, com diferentes valências. Uma horta biológica é frequentemente visitada por crianças, existem árvores de fruto, olival, canais de água e duas dezenas de cavalos habituados a competições, oriundos da Alemanha, Bélgica, França e Holanda. Há alguns produtos de quinta, como azeite e compotas, e vinho.


A vinha ocupa uma área de pouco mais de 4ha., na base de 17.000 garrafas, esmagadoramente brancos vendidos ali mesmo e nalgumas garrafeiras de Atenas. Malagouzia, Roditis, Chardonnay e Sauvignon Blanc são as castas brancas; nos tintos, Cabernet Sauvignon e Merlot. Resultam em vinhos de perceção fácil e imediata.

Por fim, um dos vinhos mais exóticos que provamos nesta visita. Botanic Sparkling, um espumante Retsina de cor amarelo limão, bolha persistente, nariz extremamente botânico (a lembrar um gin…), alguma adstringência, frescura e salinidade final. É uma inovação do jovem enólogo Nikolaos Vasilis, que nos garante ter elaborado este espumante seguindo o método champanhês. Vale pela excentricidade. Mas, não anda o mundo do vinho à cata disso mesmo?...

 

Enoturismo em Atenas

A partir da cidade, a descoberta dos enoturismos da Grande Atenas pode muito bem passar por aqui.

Domaine Vassiliou
Visita à adega e às caves, com prova de vinhos e petiscos pode demorar 1h. Preço: 15,00€/pessoa. Circuito adega e caves, com almoço ou jantar na adega custará 25,00€.
info@vassilioudomaine.gr


Nikolou Winery
Visita guiada pela adega, apresentação e prova de cinco vinhos, 12,00€.
info@nikolouwinery.gr


Pyrgos Vasilissis
Visita à vinha, ao interior da casa que se assemelha a uma castelo, visita aos estábulos, prova de cinco vinhos e harmonização com petiscos gregos, 45,00€.


Strofilia Winery
Em Anavyssos, visita às vinhas e prova de três vinhos de Nemea custará 10,00€. O mesmo valor para uma trilogia de vinhos de Strofilia.
info@strofiliawines.gr


Mesogeia Wineries Private Tour
Um programa à medida, com pick-up e chegada ao hotel de alojamento. Inclui visitas ao Domaine Vassiliou e Strofilia Winery, com provas de vinhos e harmonizações com petiscos gregos. Um total de 6h, 65,00€/pessoa.

 

 


5 outras sugestões

A seguir, uma outra mão cheia de locais para se sentar à mesa ou ao balcão e provar um pouco mais de Atenas.


Brettos Distillery
Prepare os olhinhos quando entrar neste bar/destilaria onde também consegue aceder a alguns snacks. São centenas de garrafas de licorosos e destilados, cheias de cor que ladeiam os balcões. Ideal para os finais de tarde e inícios de noite.
www.brettosplaka.com


By The Glass
Estamos em Atenas como poderíamos estar em Nova Iorque. Grande ambiente, boa música, esplanada e sala interior cosmopolitas. Petiscos e pratos para partilhar, bem elaborados, carta de vinhos com 400 referências: gregas, italianas e francesas em maioria.
www.bytheglass.gr


Kasba Bar Kouzina
Restaurante e bar em Pórto Ráfti, imediações de Atenas. Vista deslumbrante com o mar Egeu aos pés. Peixes e mariscos bem confeccionados, seleção e serviço de bebidas (vinhos, cocktails e chás) de bom nível. 
www.kasba.gr 


Plaka, o bairro
É onde a movida de Atenas se concentra. Dezenas de restaurantes e bares em ruas pensadas para caminhar de modo descontraído pelo centro da capital. Tem várias opções para turistar, comer, beber e divertir-se.


Stravos Nicarchos Foundation Cultural Centre
Um moderníssimo centro cultural, onde arte e altura prevalecem. Ali convivem a Biblioteca Nacional e a Ópera Nacional da Grécia. No exterior tem um parque para relaxar. Visite com calma porque é um bom contraste com toda a monumentalidade histórica da cidade.