A Microbiota, por José Peñin

Fotografia: reprodução da internet
José Peñin

José Peñin

Hoje a palavra terroir é um aríete exibido pelo novo apreciador para se distanciar do profano como principal elemento identificador de um vinho. O terroir se expressa pelo local de cultivo, seus solos, seu clima e seu microclima nas mãos de mão de obra humana dotada de amplo conhecimento da viticultura. Destes elementos, todos reconhecem que o solo desempenha um papel transcendental em relação aos minerais do subsolo e que estes imprimem a “personalidade mineral” do vinho. No entanto, os verdadeiros protagonistas dos sabores são os microrganismos ou microbiota que habitam esses solos. Também não devemos esquecer que a vegetação selvagem lá fora, a temperatura do solo e seu pH vão ser decisivos. Microrganismos, alguns vivem melhor em certas temperaturas do que outros, e a mesma coisa acontece com o pH.

 

A MICROBIOTA

Diz-se que o elemento mais conclusivo que intervém na personalidade dos vinhos é a idade da vinha, para além da utilização das castas mais adequadas ao geoclima, cultura com pouca intervenção e controle do ciclo vegetativo. Quando se afirmava que uma cepa antiga é melhor, pensava-se até recentemente que era porque suas raízes mais abundantes e profundas, ao passar pelas diferentes camadas minerais, eram a causa de muito do sabor; o que é erroneamente chamado de “mineralidade”. No entanto, os verdadeiros atores do solo não são os minerais, mas os microorganismos que povoam o ambiente radicular e diferem dependendo do tipo de solo. 

 

Quando, por exemplo, se diz que o vinho tem um traço mineral calcário, não significa que esse sabor se deva ao facto de a raiz se alimentar da camada calcária, mas sim aos microrganismos que ali. habitam. Eles são diferentes dependendo se vivem em solos argilosos, ardósia ou granito. Algo como se microrganismos específicos gostassem de viver num determinado tipo de solo, transmitindo ao vinho o percebido como “sabor mineral” que é inerente à relação dos microrganismos com o mineral, e não do mineral com as raízes das plantas. Essas bactérias subterrâneas são o que chamamos de microbiota.

 

O microbioma, como o genoma da microbiota, é o estudo aplicado à identificação dos microorganismos que se encontram em todos os seres vivos e nas plantas e que dois investigadores de León: Alberto Acedo e Adrián Ferrero (www.biomemakers.com e www.wineseq.com). Eles dedicaram-se a estudar a viticultura subterrânea, onde a “vida microbiana” marca grande parte do terroir. Eles desenvolveram toda a tecnologia para diagnosticar a detecção de microorganismos no solo, na fermentação, na uva... Ambos são os fundadores dessas duas startups com filiais na Califórnia e Valladolid, empresas especializadas na identificação e compreensão do microbioma através do DNA usando um sistema de computador. Este sistema fornece informação detalhada e recomendações que permitem aos clientes melhorar a sua produção agrícola, a identidade do vinho em relação ao solo e a qualidade dos seus produtos. No caso da Wine Seq, trata-se de uma empresa de serviços que permite a construção de um perfil microbiano personalizado da vinha do cliente, fazendo um diagnóstico precoce dos microrganismos e das propriedades de cada terroir.

 

PAISAGENS VIRGENS TRANSFRONTEIRAS

Nas zonas mais despovoadas da fronteira da Espanha com Portugal (Trás-os-Montes, Cáceres, Salamanca, Zamora, Leão e Orense) o subsolo apresenta uma rica biodiversidade e abundantes microrganismos devido aos escassos trabalhos de terraplanagem e grande número de vinhas velhas, muitas dos quais permanecem selvagens devido ao abandono. O matagal selvagem é intercalado com esses vinhedos e microorganismos e leveduras movidos pelo vento desenvolvem uma "homeopatia natural" especial. Segundo esses dois pesquisadores, as plantas atraem para si certos microorganismos que as ajudam a sobreviver. A planta secreta alguns hormônios e seleciona aqueles microorganismos com os quais pode fazer uma simbiose. A planta mantém e estimula aqueles que mais se relacionam com ela. Neste caso, se a vinha se instalar entre o mato e o mato, estes dão lugar a outros microrganismos, para além dos do solo onde se cultivam as vinhas. 

 

Atualmente mantém aquele traço selvagem que tinham enquanto estava abandonado. É verdade que no campo da agricultura parece que se implementa a "homeoterapia" através da fumigação da vinha com uma infusão de especiarias e diversas ervas aromáticas para as transferir sutilmente ao vinho e supostamente enriquecer os sabores. Esta intervenção humana nasceu da realidade das influências nas vinhas de fatores externos. Em uma ocasião, visitando uma vinícola na área de Utiel-Requena, em Valência, seus proprietários exibiram com orgulho a mineralidade de seus vinhos. Ao experimentá-los, percebi um notável aroma terroso-argiloso que confundiram com mineralidade. Achei que a causa fosse o cimento não revestido dentro das adegas de concreto. Passaram-se algumas horas e um funcionário da adega disse-me inocentemente, sem ter estado presente na minha prova, que a estrada de terra tinha sido pavimentada poucos dias antes, o que cobria as vinhas de pó à medida que os camiões passavam. 

 

Deduzi que esse pó era a causa do gosto. Mais tarde, quando a estrada foi asfaltada, esse gosto desapareceu. Já houve casos de uma vinha junto a uma autoestrada que deu ao vinho uma tonalidade salina devido ao sal que utilizavam para retirar a neve do asfalto. Nos recentes incêndios na Califórnia e no Chile ficou provado que o fumo afetava o sabor dos vinhos.

 

À pergunta sobre qual o melhor solo para a vinha, Alberto Acedo respondeu: “Para mim, seria qualquer solo que mantenha melhor a temperatura ou seja mais estável ao longo do tempo. Se tivermos muitas mudanças de temperatura, isso pode afetar essas comunidades microbianas e podemos ter muita discrepância entre as colheitas. O melhor solo seria aquele com maior biodiversidade, pois está preparado para receber melhor os impactos vindos do meio ambiente ou do homem. A mudança climática pode ser um problema, mas em solos muito diversos esse impacto pode ser amortecido”.