Bota abaixo!

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Alexandre Lalas

Alexandre Lalas

A queda no consumo global de vinhos chegou a um nível tal que países como França e Chile têm abandonado vinhas e, em casos mais extremos, promovendo um arranque de vinhedos já plantados. 

 

Na França, tal movimento já começou. Mas, ao contrário do que acontece no Chile, os franceses recebem apoio financeiro do governo para promover o arranque. Em Bordeaux, o plano é deitar fora quase 9% dos vinhedos em Bordeaux. Para não deixar os viticultores na mão, o estado francês prevê um auxílio de até 67 milhões de euros para os produtores. 

 

O plano é que a redução de vinhas ajude a regular a oferta e a alinhar a produção com as quedas constantes tanto nas exportações quanto nas vendas dentro da França. Muitas das vinhas que serão arrancadas já foram abandonadas pelos proprietários, que pararam de cuidar de vinhedos menos economicamente viáveis. 

 

O Consórcio dos Vinhos de Bordeaux (CIVB) estima que entre 2.000 a 3.000 hectares de vinhedos tenham sido abandonados. Segundo Stéphane Gabard, chefe do sindicato de vinhos AOC Bordeaux e Bordeaux Supérieur, as parcelas abandonadas podem ser ambientes perfeitos para a disseminação de doenças como a flavescence dorée, fazendo do arranque das vinhas uma eficaz medida preventiva.

 

Para convencer os viticultores a por no chão as vinhas abandonadas, o governo francês conseguiu, junto à Comissão Europeia, a aprovação de um auxílio de € 6 mil por hectare arrancado. Os vinicultores têm até o dia 20 de dezembro para registrar o pedido de auxílio.

 

Numa primeira fase, o governo recebeu cerca de mil pedidos preliminares de ajuda para arrancar um total de 9.300ha de videiras, em comparação com a área total de vinhedos de Bordeaux de 108.000ha. Cerca de 300 produtores consideram parar totalmente de cultivar uvas para vinho, de acordo com Sara Briot-Lesage, porta-voz do CIVB.

 

Os volumes abaixo do esperado este ano podem fazer com que mais vinicultores solicitem o auxílio, de acordo com Gabard. Prevê-se que a produção de vinhos de Bordeaux com denominação de origem protegida caia 7,7% este ano a partir de 2022, depois que os vinhedos foram devastados pelo míldio, de acordo com estimativas do Ministério da Agricultura.

 

As demandas para arrancar as vinhas vieram das denominações regionais de Bordeaux e Bordeaux Supérieur, bem como Médoc, Côtes de Bordeaux e Côtes de Bourg, disse Gabard. Os produtores que receberem ajuda para arrancar seus vinhedos não poderão plantar videiras na terra desmatada por 20 anos.

 

Os preços das propriedades vinícolas em algumas das denominações de Bordeaux caíram nas últimas décadas, de acordo com dados da Safer, a agência de propriedades rurais da França. O preço de um hectare de videiras na denominação regional de Bordeaux caiu 30% na década até 2022, enquanto o preço médio das propriedades vinícolas francesas aumentou 15% no mesmo período.

 

Dois terços dos viticultores de Bordeaux têm mais de 55 anos de idade, de acordo com Gabard. Muitos podem querer se aposentar, mas não têm um sucessor ou a possibilidade de alugar suas terras, e não conseguem encontrar um comprador para suas videiras, disse ele.

 

Ente os vilões para a atual situação, os produtores de vinho de Bordeaux elencam a queda das exportações para a China e a mudança dos padrões de consumo na França, bem como o impacto provocado pelo aumento dos impostos sobre vinhos europeus nos EUA, a pandemia de Covid-19, e agora, a inflação. A região também sofreu uma sucessão de impactos climáticos nos últimos anos, com os produtores enfrentando de tudo, desde geadas e excesso de umidade até secas e granizo.

 

 

Chile

 

Do lado sul da linha do Equador, outro player importante do mundo dos vinhos sofre com um problema parecido. O excesso de oferta e a consequente queda no preço do vinho têm motivado diversos produtores chilenos a abandonar vinhas e, em casos extremos, arrancar vinhedos plantados. A diferença é que, ao contrário do que ocorre na França, os viticultores chilenos não recebem nenhum tipo de apoio financeiro do governo para promover o arranque ou recuperar vinhas. 

 

"Temos 130 mil hectares no Chile, e um grande número deles será retirado", disse Sebastian Labbé, enólogo da Viña Santa Rita, ao site The Drinks Business, em recente entrevista. "Muitas vinhas sequer foram cultivadas este ano e só não foram arrancadas porque isso exige investimento", revelou. “Há vinhedos em que nenhuma uva foi colhida este ano”, acrescentou. 

 

Mais uma vez, as dificuldades no cenário externo, aliada à queda de consumo no mercado interno são as causas mais apontadas pelos produtores. No Chile, a redução nas vendas para a China foi maior do que era esperado. E, para tornar o negócio ainda mais nebuloso, o consumo interno ficou abaixo de 12 litros per capita. 

 

O enólogo apontou, no entanto, um ponto positivo no atual cenário: o aumento nas vendas do segmento premium. Segundo Labbé, os vinhos que custam acima de US$ 500 a caixa seguem com as vendas em crescimento. 

 

 

Cenário Global

 

As observações de Labbé sobre a demanda global por vinhos de nível de preço mais baixo encontraram eco nos números apresentadas pelo CEO da Vinexposium, Rodolphe Lameyse, em uma coletiva de imprensa em Londres na semana passada.

 

Com base nos dados do IWSR, Lameyse disse que as maiores quedas, tanto em 2022 quanto o projetado para este ano, estão no setor de vinhos de "valor mais baixo", que abrange a extremidade mais barata do mercado. Neste segmento, a queda nas vendas é muito maior do que foi no mercado da cerveja ou nos destilados - embora essas categorias também estejam sofrendo com a diminuição das vendas nesse setor de baixo preço.

 

Por outro lado, no caso do vinho - assim como também acontece com a cerveja e os destilados - há um crescimento nas categorias “superpremium" em diante (garrafas qye custam, no varejo, € 20 ou mais. Num cenário mais otimista, Lameyse expressou esperança de um retorno das vendas de vinho nos EUA e, mais imediatamente, também na China.

 

"A principal questão diz respeito ao nível dos estoques, que são altos nos EUA e muito altos na China, e o consumo não está aumentando", começou ele, antes de acrescentar: "É uma situação muito frágil, e os próximos meses serão cruciais".

 

De acordo com os números divulgados pela World Bulk Wine Exhibition (WBWE), no primeiro semestre de 2023, as exportações de vinho a granel do Chile caíram mais de 25%, respondendo por 11,32 milhões de hectolitros, representando um total de US$ 124,7 milhões.

 

O vinho a granel foi responsável por 41% do volume e 17% do valor total das exportações de vinho do Chile nos primeiros seis meses deste ano, de acordo com o WBWE.

 

Enquanto isso, as exportações de vinho engarrafado sofreram níveis semelhantes de declínio, com uma queda de quase 25% tanto em volume quanto em valor. As exportações de vinho engarrafado do Chile representam um pouco mais de 56% do volume e 80% do valor.

 

Mas é o declínio na demanda interna e externa por vinho chileno - especialmente na faixa inferior - que preocupa Labbé mais imediatamente.

 

Falando sobre o aumento dos estoques de vinho no país, ele disse que os produtores estavam começando a se preocupar, pois precisariam vender logo o que está em cubas e barris para abrir espaço para a próxima safra, que começará a ser colhida em cinco meses.

 

"Há uma nova safra a caminho, e os produtores precisam de espaço”, resumiu Labbé.