Entrevista com Eddy Faller

Fotografia: Divulgação
Robert Galbraith

Robert Galbraith

Eddy Faller, enólogo da Weinbach, detalha como uma das mais tradicionais casas da região onde vinhos brancos ainda são absolutos, intensifica a produção de Pinot Noir enquanto cultivam Syrah e Grenache em parcelas do Grand Cru Schlossberg. A razão da ousadia? As mudanças climáticas e o consequente aquecimento global.  

 

A Alsácia é a região francesa onde os vinhos brancos têm o maior peso em sua composição de mercado. Historicamente, em torno de 90% da produção é de uvas brancas, com destaque para Riesling, Pinot Blanc, Gewurztraminer e Muscat, apenas para mencionar as castas tido como nobres. Mas os efeitos do aquecimento global já começaram a causar inquietação em alguns dos principais produtores da região, que veem riscos para a manutenção dessa tradição com a iminente perda de qualidade com o aumento das temperaturas. 

 

Não faltam hoje na região plantações experimentais de Syrah, Grenache, Mourvèdre, Merlot, Gamay, Nebbiolo e até Sangiovese entre outras tintas comuns em regiões de clima mais quente. A aposta na Pinot Noir, que recentemente foi autorizada em 2 dos 51 Grand Crus da região, também é uma forte tendência após mais de 20 anos de luta política para seu reconhecimento junto ao INAO - sigla em francês para o instituto que regulamenta as denominações de origens e qualidade do vinho no país.   

Foto da família que controla a vinícola desde 1898. Eddy Faller, o nosso entrevistado, está em pé, do lado direito, de camisa azul clara

 

Uma das principais lideranças desse movimento para incluir mais castas tintas no portfólio da Alsácia é Eddy Leiber Faller, enólogo da Weinbach. Desde 1898, a família controla a vinícola fundada no século XVII. Com 38 hectares na propriedade, Eddy conta - em português fluente, pois viveu 12 anos em São Paulo - que há dois anos separou um hectare em uma parcela do Grand Cru Schlossberg para dedicar ao plantio experimental de Syrah e Grenache, aproveitando a afinidade das castas mais notórias do Rhône em solos de granito. A expectativa é que as primeiras garrafas sejam lançadas ao mercado com as safras de 2026 ou 2027, muito possivelmente com a denominação Vin de France por conta das restrições das AOCs para a região. Nessa entrevista, Eddy antecipa que, com o encerramento das atividades da antiga parceira PNR,  os vinhos da Weinbach passam a chegar no Brasil a partir de janeiro pela Cellar; e conta mais detalhes sobre como contribui para a pequena revolução que começa a se desenhar no perfil dos vinhos da Alsácia.  

 

 

Porque a aposta em Syrah e Grenache numa região tradicional de brancos como a Alsácia?

 

Temos várias perspectivas sobre o porquê de estarmos fazendo esse movimento. Uma questão primordial é considerar que gostamos de Syrah e de Grenache. Ninguém vai se aventurar com uvas que não aprecia. Eu poderia tentar com a Cabernet Franc, mas não é muito a minha praia. Além disso, sabemos que as duas castas do Rhône funcionam muito bem em solos graníticos, em especial a Syrah em Cote Rotie, Crozes Hermitage, Cornas, assim como a Grenache na Serra de Gredos nas montanhas próximas a Madrid, onde se produz vinhos fantásticos nesse tipo de solo. Nós temos parcelas dentre nossos 38 hectares de vinhedos que são de solo granítico onde plantamos nossas primeiras mudas. 

Sabemos que vinhas só vão render grande vinhos quando elas tiverem uns 30 a 40 anos, quando não sabemos como vai estar o clima. A colheita hoje na Alsácia ocorre em média um mês antes do que em relação há 30 anos atrás. A temperatura média em Colmar aumentou em média 1,5 grau em comparação com 1990.

 

E não adianta hoje ficarmos no piloto automático fazendo tudo igual ao que os nossos antepassados fizeram nas últimas décadas porque estamos assistindo as mudanças. Por isso resolvemos começar nosso cultivo de Syrah e Grenache utilizando a técnica de sobre-enxertia, onde podamos uma vinha já existente até ficar só o tronco e, em cima desse, fazemos o enxerto da nova variedade permitindo frutos já na vindima seguinte. Fizemos isso com vinhas de Riesling que estavam com mais de 20 anos em um hectare do Grand Schlossberg onde temos 15 hectares. Identificamos três parcelas de Riesling que estavam sofrendo mais com a seca no solo rochoso e fizemos a sobre-enxertia no ano passado. Observamos que tanto a Syrah quando a Grenache, que trouxemos do Sul da França, se desenvolveram bem e com muito vigor na parte vegetativa.

 

Esse ano fizemos uma primeira colheita pequena, como era de se esperar, que rendeu 200 litros de Syrah. A quantidade só vai ser mais significativa daqui uns dois  ou três anos, mas em termos de qualidade conseguimos ir bem, pois tínhamos raízes de Riesling de 22 anos que já deram ao vinho uma complexidade e uma nuance mineral que só seriam possíveis em vinhas novas daqui a duas décadas no mínimo. Imaginamos ter um volume possível de comercializar nas safras de 2026 ou 2027, com rendimento de 20 hectolitros nesse hectare Grand Cru o que seriam umas 3000 garrafas.

 

 

E quais são as impressões dessa primeira safra experimental? Como seria a rotulação desses vinhos?

 

Os javalis infelizmente comeram uma boa parte das uvas de Grenache, mas começamos a vinificação da Syrah no início do outubro, prensamos duas semanas depois e agora vamos deixar envelhecer nos próximos anos em barrica ou ânfora para avaliar que tipo de vinho teremos. Seriam rotulados como Vin de France/ Table (vinho de mesa) porque nossa legislação ainda não autorizou essas castas para as denominações oficiais da Alsácia. Foi uma luta muito grande para conseguirmos incluir duas AOCs que autorizassem a Pinot Noir como Grand Cru, então imagino que para essas novas castas seja uma briga para pelo menos 20 anos. Mas hoje não vejo mais tanta relevância para isso. Se o produto for bom e o produtor reconhecido pela sua qualidade, o vinho com certeza terá um mercado.

 

 

A Alsácia, assim como a indústria francesa do vinho como um todo, é muito tradicionalista e resistente a grandes mudanças. Há união e engajamento de outros produtores no sentido de buscarem juntos a autorização para que novas castas possam ser usadas nas denominações tradicionais?

 

A nova geração de Vignerons que está assumindo as rédeas das grandes casas mais tradicionais está muito unida em uma mentalidade mais aberta às novidades. A questão mais complicada é a mudança na legislação das AOCs, cujo debate começa no âmbito regional, passa para uma comitiva nacional que vai iniciar os estudos de viabilidade. É um processo complicado que acaba virando um jogo muito mais político. Uma das questões que mais dificultou o reconhecimento da Pinot Noir como Grand Cru foi a resistência de um pessoal da Borgonha que não deseja ver nosso avanço numa das castas mais emblemáticas daquela região. Para avançarem na Alsácia, os produtores que apostarem em Syrah e Grenache vão acabar tendo que enfrentar esse mesmo jogo. Mas a nova geração de produtores hoje está mais focada em encontrar as uvas que vão se adaptar ao futuro climático de suas regiões do que ficarem focadas só no que diz a tradição de cada região, pois sabem que isso não vai dar certo.

 

 

Qual é o momento que a Weinbach vive hoje?

 

Desde 2019 temos 38 hectares. Chegamos a este total quando adquirimos uma vinícola com 8 hectares, contendo parcelas de Grand Gru de solo calcário com Pinot Noir aqui perto de um amigo que estava se aposentando e não tinha sucessor no negócio. Foi uma aquisição bem interessante para dar maior variedade de solo para nós, que temos muitos granito no Schlossberg. Agora com 38 ha acho que atingimos um limite de tamanho em que conseguimos manter um mesmo nível de regularidade e qualidade. Quando você começa a ter 60, 80 ou mais de 100 hectares você pode até continuar fazendo bons vinhos, mas você não vai conseguir ter o mesmo cuidado com cada parcela. Da maneira com que trabalhamos, usando leveduras selvagens com fermentações que podem levar um ano, fica praticamente impossível gerenciar lotes maiores do que já temos, pois vai surgir a tentação de usar leveduras mais industrializadas. Não há como replicar nosso estilo em grande escala. Hoje produzimos 150 mil garrafas por ano, o que é um rendimento muito baixo para 38 hectares. Essa escala hoje permite que a gente cubra nossos custos e que tenhamos um lucro para reinvestir em nosso negócio. 

 

 

Quais são os planos para o futuro da Weinbach?

 

Hoje a Riesling representa 50% da nossa área plantada e 40-45% da produção em volume, algo em torno de 60 mil garrafas, dividas em seis rótulos de terroirs diferentes. Nosso foco maior para o futuro é em diversificar nossa produção. O Pinot Noir é uma grande frente nos últimos 20 anos na Alsácia, enquanto Syrah e Grenache são mais para nosso solo em Schlossberg daqui a alguns anos. Hoje, porém, chamo atenção para o crescimento da Pinot Noir na Alsácia, onde muita gente se deu conta do clima favorável e terroir para produzir grandes vinhos. É uma retomada porque o Pinot Noir já teve participação muito maior no mix da Alsácia. Mas hoje são cerca de 10%. A zona climática ideal para o Pinot Noir está cada vez mais subindo para o Norte. Nas próximas décadas, a melhor faixa climática para se produzir Pinot Noir na Europa vai ser Champagne, Alsácia, Suíça e Alemanha. Dessas quatro regiões, só não há incentivo em Champagne porque as margens de lucro nas bolhas são muito maiores do que se investir em vinhos tintos. Apesar de os dias na Alsácia serem tão quentes quanto na Borgonha, temos uma amplitude térmica mais alta. Continuamos tendo noites bem frias na Alsácia, o que garante uma acidez natural no Pinot Noir, algo que a Borgonha está começando a perder.

 

 

 

Como você faria a comparação dos Pinots atuais da Alsácia em relação ao estilo tradicional da Borgonha?

 

Antigamente os Pinots da Alsácia eram mais rosés encorpados, pois havia pouco interesse em realmente desenvolver sua qualidade. Era um produto secundário e o foco total era nos vinhos brancos. O movimento para se produzir vinhos de Pinot Noir mais sérios começou há uns 20 anos, com mais estrutura, corpo e concentração mais próximos da Borgonha do que aqueles mais simples de outros tempos. Mudamos a forma de cultivar as vinhas que a essa altura já eram velhas, com menores rendimentos, para estressar mais as plantas, mudar a poda para baixar o rendimento, colhemos a uva um pouco mais madura, além de todas as mudanças no processo de vinificação com cada vinícola fazendo suas escolhas.

 

 

Quais as expectativas com relação ao novo importador da Weinbach no Brasil?

 

A Cellar, nosso novo parceiro, vai trazer uma paleta (600 garrafas), divida entre 5 referências com maioria de Riesling, inclusive uma pequena alocação de Grand Cru Schlossberg. Devem chegar ao Brasil a partir de janeiro de 2024.