Falando Grego

Fotografia: DR
Alexandra Corvo

Alexandra Corvo

Escrever sobre a Grécia vinícola não é totalmente simples – e não cairei na tentação da piada: “porque lá tudo que falam me soa grego”. Prefiro me apropriar parcialmente da frase de abertura do livro de Konstantinos Lazarakis, MW, The Wines of Greece: “é muito difícil que um livro (neste caso, uma matéria) sobre vinhos de qualquer país seja bom e totalmente imparcial”. É verdade. Alguém que não conhece a Grécia consegue, talvez, avaliar, pontuar e ser analítico em relação aos seus vinhos. Mas conhecendo o país, não dá para tomar uma distância fria e analítica. Uma vez dentro, estamos até o pescoço apaixonados e sedentos por mais, seja pelo ar úmido e morno de sua costa infinita – entre as zonas frescas do continente e as ilhas de clima quente e mediterrâneo, seja pelo seu povo feliz e saudoso de suas glórias ancestrais. E, claro, por seus vinhos carregados de história e sabores. 

Mas, sim, os há melhores e piores e por isso voltei à Grécia neste ano pelo mesmo motivo que estive lá a primeira vez. Dez anos atrás fui  jurada do Thessaloniki International Wine Competition, que acontece na cidade de Thessaloniki na Macedônia, extremo norte do país. E agora voltei para a mais recente edição. Composto por um júri internacional bastante diverso, mais de 900 vinhos foram provados, o concurso tem se mostrado crucial na melhoria da qualidade e na comunicação com o estrangeiro sobre o que há de novo e qual o futuro do vinho grego. Porque, ainda que glorioso, não dá pra viver do passado. 

 

 

Passado

 

Tudo sobre o vinho na Grécia existe “há muito tempo”. Os textos com deuses embriagados no vinho, sendo Dionisio, o grande Deus do vinho. Seu melhor amigo era Ampelos (= vinha). Seus filhos gêmeos chamavam-se Satphylos (uva) e Oenopionas (enólogo). A antiguidade dos textos vínicos detalhados impressiona. Hesíodo (7ac) detalhava as datas ideais para colheita, como secar as uvas antes de vinificar e qual a melhor forma de guardar o vinho (em lugares frescos, quem diria, já sabiam). Outros textos da mesma época lidam com temas como propagação de vinhas, variedades, seleção de locais, origem e análise das características

Homero (7 aC), em seus textos, menciona a importância da origem, quais eram melhores (na época os vinhos das ilhas do Egeu tinham grande fama). Festivais vinícolas, religiosos ou culturais, eram comuns e parte central da cultura grega. Libações eram oferendas em forma de vinho, para rezar, usadas em sacrifícios e para acalmar aos deuses.

Presente

 

E com boa surpresa foi possível notar que de dez anos pra cá, as mudanças qualitativas foram mais bruscas do que talvez nos últimos 10 mil anos de história.  À época da primeira visita, falava-se muito das denominações de origem (ou PDO em inglês – protected denomination of origin): Nemea, Goumenissa, Amindeo, Mantinia, Patras... regiões cujos nomes são importantes localmente, mas são palavras que comunicavam pouco para o mercado fora dali. 

 

Hoje, os produtores gregos estão decididos a explicar para o mundo como compreender seus vinhos. Então, usar os nomes da uvas, explicando os estilos de vinhos que produzem, para chamar a atenção, pareceu a decisão correta de marketing para que o consumidor se sentisse mais confortável. Isso, claro, e uma constante busca em expressar tipicidade e crescente qualidade. E o concurso, que existe há 23 anos, mostrou que, de fato,  tem servido para avaliar (e elevar) a qualidade do que se produz na Grécia. 

 

 

Uvas Brancas

 

Assyrtico: A mais importante variedade em termos de comunicação com os mercados externos, chamada a “locomotiva”da Grécia para o mundo. Da exótica ilha de Santorini, com seus peculiares vinhedos conduzidos em koulura, uma espécie de ninho que protege as uvas dos ventos secos e calor excessivo. Vinhos com alta acidez, picância alcoólica, salinidade e estrutura fenólica (taninos). Aromas que flutuam entre frutas cítricas, ervas, anis e frutas de árvore. 

 

Malagousia: 2,24% da superfície total, principalmente na Macedonia, região norte, de clima fresco. Redescoberta por Gerovassiliou, seu retorno à cena foi rápido e de sucesso. Dá vinhos com aromas de pêssegos e maçãs, algo mentolados, boca com acidez e cremosidade bem marcadas. 

 

Savatiano: a variedade mais plantada no país, principal variedade usada para a produção do famoso Retsina, tem grandes extensões de vinhedos em Atica. Muito resistente, mas tende a produzir muito volume, resultando em vinhos diluídos. Os bons produtores têm buscado menores rendimentos para conseguir mais caráter. Quando isso acontece, o vinho tem bastante intensidade aromática e muita cremosidade. 

 

Roditis:  uma das mais antigas e mais disseminadas variedades da Grécia. Tem um problema da alta produtividade, dando vinhos naturalmente diluídos. Mesmo com tentativas de                                                                   alguns produtores em produzir um grande vinho, a variedade, apesar de muito tradicional, ainda não é uma grande estrela da viticultura grega moderna.  

 

Moschofilero: principalmente no Peloponeso, na DO Mantinea. Variedade de casca rosa, lembra muito a Gewürztraminer. Dá vinhos muito perfumados, com notas de rosas, acidez fresca, com pouco álcool. 

 

Retsina: 

Embora não seja o nome da uva, o estilo Retsina é um capítulo à parte entre os vinhos locais. O vinho mundialmente mais famoso da Grécia tem a clássica história de ascensão e queda (e ascensão novamente). Originalmente, na Grécia antiga, a resina de pinho era usada para selar ânforas, ou para formar um filme sobre os vinhos e evitar oxidação. Ao longo dos anos, esses aromas de pinho integrados ao vinho se tornaram comuns. Infelizmente, a qualidade do vinho base ia diminuindo e a de resina aumentando para disfarçar essas falhas. Nos anos 60, a quantidade de resina usada só aumentava. Chegou-se a usar 7,5% de resina no vinho, o que o tornava pesado aromaticamente e enjoativo. Felizmente nos últimos anos vimos uma preocupação com a qualidade do vinho base e uma diminuição do uso da resina. Por lei, hoje, o máximo permite entre 0,15%  e 1%. Temos atualmente Retsinas refrescantes e perfumados, com notas de frutas frescas e anis.

 

Uvas Tintas:

 

Xynomavro: caprichosa, de cultivo difícil, prefere os climas de sua origem: as regiões frias da Macedônia, no norte do país, apresenta vinhos carregados de taninos intensos, porém finos e alta acidez que imploram pela rica comida local carregada com vegetais saborosos. Dá vinhos de pouca cor e os aromas são de especiarias, flores secas e  pouca fruta. Os rosés desta variedade merecem atenção, pois estão longe de ser do estilo “piscina” e tem uma forte vocação gastronômica pela firmeza em boca e acidez vibrante. As D.Os mais importantes na Macedônia são Goumenissa, Amindeo e Naoussa. Também são feitos com ela (e algumas outras usadas em corte), os míticos vinhos originários do Monte Olimpo, na DO Rapsani.

 

Aghiorgitiko: ao lado da Xynomavro, são as porta-vozes dos tintos gregos. A Aghiorgitiko (“São Jorge”) agrada facilmente com seus vinhos com explosão de frutas vermelhas, frutosidade, ricos em boca, expressa bem sua origem mediterrânea de sua D.O. Nemea. 

 

Liatiko: extremamente aromática, quase lembra os florais de uma muscat, dá vinhos clarinhos com acidez delicada. Seus melhores estilos são vinificados como vinhos doces (com uvas secas ao sol) nas DO Dafnes e Sitia, ambas em Creta, mas há algumas belas e delicadas versões secas pelo país.

 

Limnio: originária da ilha de Limno, é mais plantada hoje na fria Macedônia e ainda não tem uma DO para chamar de sua. Dá vinhos com aromas de frutinhas do bosque e ervas frescas, taninos e acidez médios, com uma picada firme alcoólica.  

 

Mandilariá: dá um dos vinhos mais escuros da Grécia, mas tem pouca acidez e frutosidade, com tendência a dar vinhos magros. A DO Paros é mais importante e fica na minúscula ilha Cíclade do mesmo nome.

 

Mavrodaphne: responsável por um dos vinhos fortificados mais famosos da Grécia, Mavrodaphne de Patras. Surge com a fundação, em 1861 da vinícola Achaia Clauss, na região de Patras,  no Peloponeso. Inspirado pelo pelo vinho do Porto, ele aproveitou o potencial de cor intensa e muitos taninos da variedade, para produzir um fortificado com longuíssimas (às vezes até 15 anos) passagens por tanques de madeira, muitas vezes de maneira bastante oxidativa. Os vinhos são macios, a acidez se mantem evidente, são cremosos, complexos aromaticamente, com notas de nozes, tâmaras, café fresco, especiarias doces e muito mais. 

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Vinhos gregos para provar por aqui:

 

Tetramythos Retsina 

Peloponeso, Grécia

Estilo de retsina moderno, com notas de limão siciliano e um toque de anis. Boca refrescante, com acidez vegetal e persistência. Importado pela Decanter

Preço:R$ 165

 

Monopati Agiorgitiko 2019 

Peloponeso, Grécia 

Frutinhas pretas e muitas especiarias. Na boca tem estrutura média é fácil de tomar, mas os taninos pedem uma comidinha com azeite. Importado por Bacco's 

Preço: R$ 99

 

 

Domaine Costa Lazaridi Syrah 2019 

Drama, Grécia

Perfumado com  frutas pretas, tabaco e especiaria doce. Boca intensa, com taninos firmes, frutona, final tostadinho com um toque fresco. Importado por GRK

Preço: R$ 260

 

 

Tsantalis Mavrodaphne de Patras 

Patras, Grécia

Clássico estilo fortificado de Patras, notas de tâmaras, figos secos, nozes, tabaco, mel, própolis, muito intenso. Na boca tem doçura, sustentada por uma excelente acidez e o retrogosto é longo, doce e intenso. Importado por diretodagrecia.com

Preço: R$ 195

 

Lexis Gris Sur Lie Rosé Moschofilero 2020 

Peloponeso, Grécia

Tem as notas florais (porém delicadas) típicas da uva,  e algo de pessego maduro e morango. Na boca é cremoso, seco, porém bem frutado. Importado por GRK

Preço: R$ 150