Conheci Daniel Pisano, um dos mais ativos membros da família de vinhateiros uruguaios, no primeiro encontro da importadora Mistral. Fiquei encantado pelos vinhos, tão despudoradamente autênticos, tão expressivos e sem disfarces.
Nunca tinha tomado um vinho uruguaio. Realmente, até aquele momento, para mim, o Uruguai não existia. Daniel, cuja família completa este ano um centenário na atividade dos vinhos, representa exatamente o que o pequeno país é: terceira geração de imigrantes italianos e bascos. Eu ia passando direto pelo stand dele quando fui chamado por aquela figura única, o extrovertido e bigodudo cavalheiro:
— Quer provar algo diferente?
Foi assim que fez o então príncipe Charles provar seu Tannat (e comprar depois caixas do importador britânico para o palácio).
Seu entusiasmo foi tanto por eu ter parado para provar seus rótulos — pois a feira era grande e tinha muita gente graúda da França, Itália e outras potências vinícolas — que ele pediu:
— Você gostou do que fazemos, precisamos que nos ajude a falar sobre o nosso produto.
Recebi essa frase como uma missão.
Passados uns meses, comprei um pacote turístico. Não foi viagem de imprensa nem convite; foi uma quase obrigação que me impus. O pacote incluía passagem pela linha aérea nacional, a Pluna (que, ao contrário do Uruguai, já não existe), quatro noites de hotel, transfer e city tour (que não fiz, para grande decepção do motorista, que queria me mostrar Montevidéu e quase chorou no hotel por eu não poder fazer o passeio). Paguei tudo em prestações.
No dia da chegada, Daniel me buscou cedo no hotel. Era inverno, e o Rio da Prata cobria a cidade com uma neblina que a tornava mais antiga, melancólica e bonita. Nas cidades que me fascinam, chove ou há neblina; é preciso algo de escuro, triste e de “tango” nelas para que sejam capazes de alegria.
Fomos a um vinhedo, o primeiro que visitei na vida, e que, nas quase três décadas seguintes, se tornaria algo corriqueiro para mim. Pisano me mostrou também o Estádio Centenário, o Congresso, a casa do presidente — onde uma simples viatura de polícia com dois guardas sonolentos fazia a segurança — e almoçamos no Café Brasileiro, onde Mario Benedetti, grande escritor da banda oriental, costumava escrever.
Depois, naquele país que ainda era só de produtores familiares, fui entregue a outro anfitrião, Carlos Pizzorno, com quem aprendi a arrolhar espumantes sentado num banquinho e pressionando um pedal. Carlos me levou aos Marichal, onde almocei no calor agradável da cozinha, com a família reunida e o fogo da lareira aquecendo o ambiente. A conversa era sobre a vida, não sobre solo argilo-cálcario ou calicatas.
E assim segui: o grande Reynaldo De Lucca, considerado um excêntrico, mas na verdade um gênio; Juanicó, onde abriram safras muito antigas de seus vinhos tão especiais… Sempre uma família me apresentando a outra, sem monopolizar a visita, e com uma imensa gratidão por alguém se deslocar até lá para visitá-los.
Tive o encantador ritual (que depois repeti em diversas viagens ao local) de um assado com os irmãos Pisano: Gustavo, Eduardo e Daniel. Gabriel, filho de Eduardo, que viria a ser o motor de Viña Progreso, era um adolescente que ajudava a podar e conduzir videiras naquele momento.
Voltei tão encantado que acabei colaborando para o World Atlas of Wine, de Jancis Robinson, na parte sobre o Uruguai — algo que me honrou. Quem pega a edição em que apareço nos agradecimentos por “Uruguay” estranha eu estar ali.
Agora, o Uruguai já existe. Há muita novidade: bodegas grandes, interesse em seu terroir. Mas o que mais me alegra é ver que aquelas famílias originais geraram novos entusiastas. Agostina e Stefano De Lucca estão fazendo deliciosos vinhos frescos, um Tannat de maceração carbônica para beber gelado. Gabriel Pisano trabalha com variedades inesperadas, como Sangiovese, e métodos de vinificação diferentes: barrica aberta, pet-nats, o famoso Licor de Tannat que criou para a Pisano. Francisco Carrau e sua filha fazem um laranja de Trebbiano e Petit Manseng, e assim por diante. O Uruguai cada vez existe mais.
“No cabe duda. Esta es mi casa/ aquí sucedo, aquí/ me engaño inmensamente./ Esta es mi casa detenida en el tiempo”, escreveu Mario Benedetti.
Gostei tanto de lá que disse: “Vou morar aqui, esta é minha casa”. Um dia irei. Montevidéu é como estar em 1950, só que hoje — se me faço entender.