Onde reina a Chenin Blanc

O colunista narra a experiência com os vinhos brancos sul africanos elaborados com a casta


Demorei mais de uma década para visitar a África do Sul. Recebia convites semestrais, até mais frequentes que isto. Quase aceitava, mas pensava na viagem longa, no cansaço do trabalho que tais viagens implicam (quem pensa que é comer e beber do bom e do melhor, não entende que vinho para quem fez do tema profissão é trabalho). No caso, o que mais me desanimava e me fazia inventar desculpa para não ir era imaginar aquelas centenas de Pinotages para provar. Escapulia daqui e dali.

Um dia, num evento bienal chamado “Espai Priorat”, na Catalunha, onde os produtores da famosa DOCa (denominação de origem calificada, são só duas, a Rioja a outra), no meio de todos aqueles jornalistas importantes, uma coleção de masters of wine de fazer corar, gente que leio e nem esperava ver ao vivo, provando os belos vinhos de Alvaro Palacios, visitando o ídolo René Barbier, conhecendo o que os Torres estavam fazendo por ali de bom, fui parar numa vinícola chamada Terroir al Límit. Um sacolejão em todos os sentidos, o que era aquilo? Vinhos de beber só eles, para sempre. Na conversa fico sabendo que um dos sócios era Eben Sadie (já não está mais lá) de uma família sul africana famosa nos vinhos. Fiquei intrigado, parte um.

No último dia da semana do evento, num grande auditório, um seminário conduzido por Sarah Jane Evans, master of wine, e Ferrán Centelles, idem master of wine e anteriormente sommelier do El Bulli, de Ferrán Adrià. Discutiu-se o futuro do vinho no Priorato e no mundo. Passaram um questionário para respondermos, e uma das perguntas era: “qual a região do mundo que parece mais promissora na sua opinião?”. Na apuração teve um voto para o Douro (meu) e os demais, uns trezentos, escreveram Swartland, na África do Sul. Intrigado, parte dois (e já arrependido de ter negado os convites para ir à África).

Por sorte as pessoas são insistentes, e logo depois, no ano seguinte, fui convidado a ir ao famoso leilão anual que acontece perto da Cidade do Cabo, o Cape Fine and Rare Wine Auction. Aceitei na hora.

Numa escapada da viagem (cujo roteiro contrariou meu lado resmungão, pois visitamos lindas paisagens, como o Cabo da Boa Esperança e a Table Mountain. E tomei chá num hotel histórico chamado Mount Nelson. E comprei os melhores chás oolong que já bebi num importador local chamado Nigiro Teas, quem gosta do assunto como eu, fica a dica), mandei uma mensagem para Chris Mullineux, o grande artesão do Swartland que me tinham recomendado, com seus Syrahs e Chenins sublimes. Ele respondeu na hora: “venha almoçar, mas já aviso que não tenho vinhos para vender”.

Para resumir, bebi maravilhas. Ignorante, desconhecia que a Chenin Blanc, uva querida para mim, dos Vouvray do Loire, hoje está assim: na França se cultiva cada vez menos e na África do Sul cada vez mais, numa proporção tão desequilibrada que os vinhos sul africanos de Chenin já representam quase um quarto da produção mundial com esta uva. E que vinhos!

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