Sobre châteaux e gafes

Nosso colunista relembra uma passagem curiosa em viagem a Bordeaux


Dez anos atrás, estava em Londres e fui convidado para uma visita a Bordeaux. Foi um convite pedagógico (eu achava que conhecia bem Bordeaux e seus vinhos), vindo de um grupo chamado Bordeaux Oxygène, jovens produtores que querem (o grupo continua existindo e atuando, pode ser seguido na sua página bordeauxoxygene.com) tirar o ranço de coisa ultrapassada dos vinhos bordaleses. São alguns novos produtores e outros herdeiros na terceira ou quarta gerações colocando a mobília para tomar sol.

Foi um roteiro exigente, pois já fazia o calor de maio, os dias longos, e eles, gentilmente, incluiram propriedades não pertencentes ao movimento, mas que simpaticamente me receberam. Equivaleu a um diploma em Bordeaux, região que confessadamente estimo muito, da cidade adorável (onde fica minha livraria favorita da França, a Mollat e onde se comem dúzias de canelés) aos vinhos maravilhosos. Não tenho espaço para contar tudo que visitei e conversei, Mas, fiz um roteiro completo do Médoc, Graves, Péssac, Sauternes, Entre Deux-Mers e Pomerol. Vou me limitar ao ponto glorioso da visita e à maior gafe que já dei, nestas décadas de vinho.

O motorista da limousine me levou direto do aeroporto a Pauillac, especficamente ao Château Pichon Baron, talvez um dos postais mais conhecidos de toda a região. Fui recebido pelo meu anfitrião Jean Baptiste Burotte, que dirigia o Oxygène na época e o diretor da AXA, a quem pertence o Pichon Baron. Minha mala instalada na suíte, jantamos com uma magnum 1995 e um Noval, para terminar. Batemos mais um papo no fumoir e, de repente, os dois se levantaram e se despediram: “está aqui a chave” e se foram.  

Chave? Do quarto certamente. Com o volume razoável de vinho consumido demorei um pouco a entender que era a chave do château, que eu ficaria lá, sozinho, castelão, por 3 noites. Assim, é a linda história do jornalista brasileiro que foi dono de Pichon-Longueville, Baron, por poucos dias. A parte que eu mais gostava era quando o último produtor visitado me trazia “em casa” e ficava olhando desconfiado eu abrir a porta principal e ainda dar adeusinho.

Mas, tem a gafe. Já pelo décimo dia de visita, bem cansado, cheguei a um prédio coberto de tapumes. Entramos pelos fundos, um garoto carregando minha mala me levou ao quarto e disse: “o jantar é às 9”. Claro, deitei um pouco e acordei com batidas na porta: “papai está esperando!”. Lavei o rosto e desci amarfanhado.

Quando abri a porta, numa mesa bem grande, lindamente posta, a família inteira me aguardava, flhas adolescentes, namorados, primos a que fui apresentado um a um por “papai”: Monsieur Hubert de Boüard de la Forest. Pedi desculpas em diversos idiomas e ele rindo disse apenas que estava com medo da paleta de cordeiro, que assava, passasse do ponto. A noite foi de gargalhadas e simpatia, ele tinha decantado três vinhos: quem conhece o personagem sabe que eu estava no Château Angélus. Sua filha fazia parte do Oxygéne e também mostrou seus vinhos.

Antes de me retirar, flutuando, Monsieur me perguntou a que horas me buscariam, eu respondi “às dez” e ele pediu que eu descesse para o café às nove horas. Desta vez fui pontual, e quem estava na cozinha para preparar meu desjejum? O próprio, respondi que queria ovos mexidos e via enquanto ele operava o fogão fotos na parede dele com Clinton, com Mandela, com a Rainha da Inglaterra.

No dia seguinte, voei para Londres de volta, estava escrevendo um artigo sobre o jubileu de ouro da Rainha Elizabeth e ainda deu tempo de levantar uma taça de Nyetimber em homenagem a ela. “God sparkling the Queen”.

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