Entrevista: Pierre Philipponnat

Marcel Miwa

Marcel Miwa

Adílson Carvalhal Junior, da Casa Flora (centro, à esq.) e Pierre Philipponnat, da LGCF (centro, à dr.) 

Apesar do sobrenome champenois, Pierre Philipponnat se especializou nos vinhos de Bordeaux e é o responsável pelo setor dentro da Grands Chais de France, maior empresa exportadora de vinhos franceses. Encontramos com o especialista na Casa Flora, que importa uma seleção de vinhos da empresa francesa (especialmente Bordeaux e Borgonha).

A Les Grands Chais de France (LGCF) é uma empresa familiar que possui vinhedos, vinícolas e marcas, o que significa que a depender da rótulo pode atuar desde a forma mais artesanal - pequena escala, orgânico e engarrafado na própria vinícola -, até a forma mais colossal, rótulos com produção de milhões de garrafas, com uvas ou mostos comprados à produtores terceiros. Hoje a LGCF tem vinícolas também fora da França, como no caso da recente aquisição da marca alemã OH01 (também importada pela Casa Flora), além de um negociante cadastrado junto à bolsa de Bordeaux (canal onde os Cru Classé são majoritariamente comercializados).  

O que se escuta e se lê sobre o mercado de Bordeaux trata do esfriamento da vendas, particularmente em alguns mercados, como a China. Na sua visão, qual o status para os Cru Classé hoje?

Os mercados para este topo da pirâmide está voltando ao normal, o que significa que houve o boom com a entrada do mercado chinês e nos últimos anos, a saída destes compradores. Isto significa que mercados maduros, como Inglaterra, Bélgica e Holanda estão entendendo que os preços caíram e voltaram para um patamar normal. Claro que existem outros fatores, como uma sequência de boas safras que também atrai os conhecedores de Bordeaux. 

Então não há crise para os vinhos de Bordeaux?

Não, o cenário é bem desafiador e preocupante. Há um excesso de estoques de vinho nas vinícolas e muitos vinhedos estão sendo arrancados. Isto dá uma dimensão no longo prazo e indica que as vendas não estão acompanhando a produção. A fase é de depuração em Bordeaux, infelizmente muitos vão sofrer e alguns devem ficar pelo caminho, mas o mercado voltará mais saudável. 

Então imagina que não há no horizonte nenhum boom mas também está longe do cenário de terra arrasada?

Historicamente há explicação para a forma que o mercado se desenvolveu e nos dá a segurança que há caminhos para manter e ampliar o mercado consumidor. Veja o caso de Champagne, de onde vem parte da minha família, as casas das marcas mais bem sucedidas estão concentradas em Épernay pois a cidade estava no meio da rota comercial entre a a capital francesa e a Alemanha. O gosto pelo Champagne se moldou ao longo de séculos! O mesmo ocorre com os vinhos de Bordeaux e o mercado britânico. Muito antes da classificação dos Cru Classé, em 1855, quando os vinhos ainda eram comercializados em barricas e não em garrafas, as barricas já eram marcadas com os nomes de seus vilarejos, como St. Estèphe, Pauillac, Margaux… e os vinhos eram precificados conforme a reputação de cada um deles. A atração e interesse foi moldado por mais de 1.000 anos, podemos dizer. 

Então são apenas ciclos que se repetem?

Devemos sempre ficar atentos, pois existem modas e tendências. As primeiras têm vida curta e não transforma o mercado global. Já as tendências apontam caminhos que podem transformar a indústria, mas é algo gradual; esse é o ritmo do vinho. 

E quais tendências devem se consolidar?

Em Bordeaux, o fenômeno dos vinhos brancos também chegou e vejo muitos châteaux plantando variedades brancas. Novamente, não é uma aposta aleatória, pois antes da filoxera Bordeaux já chegou a ter participação igual de variedades brancas e tintas em seus vinhedos. Em um âmbito mais amplo, os espumantes seguem fortes. Sentimos que este horizonte está se expandindo para além de Champagne. Nossos Crémants estão com uma forte demanda no mundo todo, e notamos esta boa aceitação no Brasil também, com o Crémant de Bourgogne Moillard, importado pela Casa Flora. E na bolsa de Bordeaux, vemos um movimento de internacionalização dos rótulos, isto é, vinhos estrangeiros sendo vendidos na bolsa. Há toda uma burocracia para entrar no mercado, cujo primeiro rótulo estrangeiro foi Opus One, mas hoje vemos os supertoscanos e até alguns chilenos (citou Seña e Chadwick) com bom desempenho.