Miguel Pires e a Big Apple

Fotografia: DR
Miguel Pires

Miguel Pires

 

Com um mundo cada vez mais globalizado, os dilemas das grandes cidades são parecidos. Porém, se acrescentarmos certos detalhes da conjuntura atual a outros estruturais, as dificuldades poderão revelar-se de uma forma ainda mais extrema, como é o caso de Nova Iorque. 

 

Havia uns seis anos que não visitava a cidade, mas fui acompanhando à distância o que se tem passado por lá, especialmente em termos gastronômicos. Com o levantamento da maior parte das restrições sanitárias, as atividades voltaram com força total. Ainda não é aquele frenesi nas ruas que torna quase intransitáveis as principais artérias de Manhattan, mas para lá caminhamos. Ainda assim, nota-se uma atmosfera diferente. Não me refiro ao aroma a erva que se sente a cada esquina, devido à recente legalização da canabis para fins recreativos, mas sim a um certo estado das coisas que parece ter tornado o lugar numa cidade cada vez mais exclusiva e a requerer um maior planejamento por parte de quem a visita. 

 

Os restaurantes estão caros e cheios

 

Com a pandemia, houve restaurantes que fecharam de vez e embora outros tenham tomado o seu posto, muitos espaços ficaram pra alugar. Como em todo lado, mas aqui de uma forma ainda mais evidente, milhares dos que trabalhavam na restauração abandonaram de vez o emprego e para incentivarem os hesitantes a regressar, foi preciso abrir a carteira. Por outro lado, os aluguéis que já tinham subido exponencialmente nos últimos anos mantiveram-se lá em cima e, para completar a tempestade perfeita, a inflação generalizada fez o resto. Resultado, em grande parte esses aumentos foram repassados para os clientes levando os preços subir de forma significativa e, como se não bastasse, para quem vem do Brasil ainda tem de suportar a desvalorização do real frente ao dólar.

 

Menos pessoas na cidade e custos mais elevados levaria a supor uma maior facilidade em conseguir uma mesa num dos muitos restaurantes badalados da cidade. Só que não. É preciso lembrar que as pessoas estiveram fechadas durante quase dois anos e a ânsia por poder viajar e frequentar estes sítios, aliado a uma certa disponibilidade financeira faz com que os lugares mais distintos esgotem regularmente. Além disso, Nova Iorque é um íma que atrai pessoas do mundo inteiro, nomeadamente as de maior poder de compra, que mais facilmente podem suportar o aumento das viagens e dos hotéis.

 

Portanto, se dinheiro não for um obstáculo maior, a cidade que nunca dorme continua a ser aquele lugar incrível com muito para desfrutar, desde que, no caso dos restaurantes, haja o cuidado de efetuar reservas com uma certa antecedência. Contudo, não é caso para desespero. Com alguma criatividade e ginástica, ainda existem escapatórias mesmo para quem não é tão abonado ou dado a grandes planejamentos. As sugestões gastronômicas que deixo abaixo incluem dicas de lugares e de como “sobreviver” na cidade sem prescindir de parte do melhor dos dois mundos. 

 

Até 10 dólares 

 

O jejum intermitente está na moda. Vá até ao Central Park, estenda-se num dos enormes gramados, e aprecie o movimento. Existem vários bebedouros onde se pode hidratar sem gastar um centavo, mas caso queira um chá ou um café, uma nota de 10 dólares ainda dá direito a troco. A mesma quantia é suficiente, também, para opções menos holísticas como aviar um hot dog num dos muitos carrinhos que existem por Manhattan, uma boa parte facilmente identificados pelos chapéus de sol azuis e amarelos da Sabrett. O mais comum é apresentarem-lhe uma salsicha cozida num pão “bisnaga”, com cebola refogada, sauerkraut e mostarda, mas um dos mais famosos, na 55th & Madison, é muito procurado por servir a salsicha grelhada em vez de a cozida.

 

De 10 a 50 dólares 

 

Uma das estratégias que adotei nesta viagem foi a de almoçar, uma ou outra vez no Whole Foods, a cadeia supermercados de produtos biológicos com vários pontos pela cidade. Todos têm uma área de comida pronta com uma certa qualidade e a preços acessíveis. Um frango rotie para duas pessoas, com uma salada, batatas fritas e uma bebida não alcoólica, fica por pouco mais de 20 dólares/pessoa.

 

Outra alternativa, que tal como os hot dogs, se encontra ao virar de cada esquina, são os carrinhos de comida halal, que no caso significa uma combinação de arroz, verduras e carne halal servidos num prato alumínio ou num sanduíche, geralmente com um molho vermelho e branco a finalizar. A oferta parece mais ou menos a mesma, mas há, aqui e ali, quem dê um toque especial. Entre os mais cotados estão os Halal Guys (em vários carrinhos na cidade), Sammy's Halal Cart (West Village), ou o Mamoun's, em (Greenwich Village). 

 

Das especialidades populares que não prescindo em Nova Iorque é o sanduiche de pastrami e para quem, como eu, já cansou do Katz e da célebre cena do orgasmo simulado de Meg Ryan no filme When Harry Met Sally, a Pastrami Queen, uma pequena deli em Upper East Side, é uma alternativa a ter em conta. Há outras pela cidade, mas gostei desta por várias razões: por causa dos pickles, dos molhos e, claro, da qualidade da carne e da forma exemplar como foi cozinhada. Tudo isto sem perder tempo com longas filas de turistas. 

 

O Momofuku Noodle Bar, de David Chang, mantém-se uma daquelas opções de cozinha oriental, com um twist, que nunca desilude e o bun com barriga de porco, ou em alternativa o de shitake caramelizado, bem como os noodles também de barriga de porco, com ovo escalfado e rebentos de bambu, continuam a ser uma aposta ganha. Com o restaurante de East Village em renovação, a alternativa é o Uptown, no Colombus Circle, junto ao Central Park.

 

De 50 a 100 dólares

 

Rita Sodi e Jody Williams são conhecidas pelo êxito alcançado no Via Carota, um dos italianos descolados do West Village. Já em finais de 2021, a poucos metros dali, a dupla abriu o Commerce Inn, uma “taberna” que recupera o receituário antigo e que pretende homenagear a história e a arquitetura da zona do inicio do século passado. O sucesso do restaurante reside na mistura dessa cozinha rústica de conforto com outros pratos do dia com base em ingredientes sazonais.

 

+ 100 dólares 

 

Um dos restaurantes que vem dando o que falar cada vez mais é o Frevo, em Greenwich Village, do português Bernardo Silva (manager) e do brasileiro Franco Sampogna (chefe), dois amigos que se conheceram no Sul de França, uma década antes, altura em que começaram a sonhar com a ideia de um dia terem um restaurante em Nova Iorque. O projeto está muito bem delineado, como um speakeasy, onde tudo se passa atrás da porta, ou, neste caso, atrás de um quadro, pelo qual se acede ao restaurante após entrarmos numa espécie de galeria de arte que serve de antecâmara ao lugar. Lá dentro destaca-se a zona do balcão, onde se sentam 18 pessoas de frente para a cozinha. De fato, o efeito cênico é fantástico: a ideia da galeria, a porta tipo “abre-te sésamo”, o desenho do espaço, a iluminação, ou a música, tudo com um requinte de muito bom gosto. E, claro, depois há a cozinha contemporânea, francesa, mas aberta ao mundo, de Franco Sampogna, que sabe tirar o melhor partido da sazonalidade dos produtos locais. Não há carta, mas apenas um menu de degustação e dois pairing de vinhos (opcionais), com óptima curadoria, onde a França se destaca, mas em que há lugar, igualmente, para uma outra proposta lusa. Reserve com antecedência. 

 

Uma área que teve uma grande transformação em Manhattan foi a da zona entre Chelsea e o Hell’s Kitchen, junto ao Hudson, que dá nome ao complexo e que tem no Vessel, uma instalação em forma de escada de grande impacto cenográfico, uma imagem icônica que tem aparecido um pouco por todo o lado. Não é um empreendimento que tenha caído no goto dos locais, mas os turistas adoram-no e vale a pena visitá-lo, nem que seja apenas uma vez. No complexo do Hudson Yards, com ares de zona comercial de aeroporto, fica o Milos, do restaurateur Costas Spiliadis, que tem lugares com o mesmo conceito em algumas cidades do mundo (incluindo um outro, em Manhattan). O espaço é enorme, elegante e arejado e destaca-se pela impressionante vitrine de peixes e mariscos expostos sobre gelo, como num mercado. Além do peixe que, por exemplo, pode ser preparado inteiro, ao sal ou na grelha, há todo um conjunto de pratos de cariz mediterrâneo preparados com competência, entre eles o clássico conjunto de fatias de beringela e curgete fritas (de uma forma tão delicada como uma boa tempura japonesa) servidas com tzatziki, um molho à base de iogurte. 

 

Este mini-guia não será, certamente, uma lista dos lugares mais na badalados, ou cool e alternativos de Nova Iorque, mas reúne um conjunto eclético de lugares, com opções para diversas bolsas, para quem visita sozinho, a dois, ou em família e gosta de comer. Ou mesmo de fazer jejum.