A santíssima trindade suína

 
Miguel Icassatti

Miguel Icassatti

“Migué, boteco que se preze deve ter a manha de fazer torresmo”, sentenciou-me certa vez Eduardo Fernandes, o Edu, manda-chuva do Bar do Luiz Fernandes (BDL), botecaço da Zona Norte de São Paulo. Ele sabe o que fala, porque o BDL prepara diariamente um senhor torresmo, não por acaso o primeiro item do cardápio a esgotar. Para a sorte de torresmófilos como eu, não faltam no Brasil esses botecos-que-se-prezem, craques na produção da iguaria, a começar pelos mineiros Casa Cheia, no Mercado Central de BH; o Bar do Zezé, em Contagem; e o Bar do Bigode, em Juiz de Fora.

São Paulo, felizmente, é uma vila, digo, cidade bem-servida de torresmo: tem o do Bar do Edu, na Vila Olímpia, o da Nação Nordestina, na Vila Maria, e o do Hilda Botequim, na Vila Ipojuca. Desse achado da Zona Oeste, a chef Alessandra Ramos faz a gentileza de compartilhar com GULA a receita. “Tudo começa pela escolha de uma peça bonita”, diz Alessandra.

Ao torresmo, aliás, acrescento a costelinha de porco e o sanduíche de pernil à santíssima trindade dos petiscos suínos que definem o que é um Boteco de verdade. Um exemplo é o veterano Valadares, na Lapa paulistana, que além de servir um torresmo de responsa nos brinda com uma ótima costelinha, que requer 24 horas e alguns minutos de preparo. A marinada leva sal, pimentas calabresa e do reino, limão, orégano, louro, vinagre e, claro, o “tempero da casa”. Os pedaços de costelinha são cozidos por 30 minutos nessa própria marinada e fritos na hora de ir à mesa.

Ainda em São Paulo eu poderia falar do sanduíche de pernil do Estadão, ou voar até Copacabana para lembrar do pernil com abacaxi do Cervantes, fechado temporariamente por causa da pandemia. Mas a saudade da cidade do Porto me leva até a Praça dos Poveiros, onde está a fabulosa Casa Guedes. Já tentei por mais de uma vez arrancar dos imãos Cesar e Manoel, a dupla que comanda a tasca, quais os temperos que vão no molho, uma vinha-d’alhos potencializada pela gordura do animal e que rega cada sanduba, que pode ser preenchido ainda com um naco de queijo da Serra da Estrela. Meus amigos, é o melhor sanduíche de pernil deste mundo. 

Torresmo do Hilda Botequim

Ingredientes:

2 kg de barriga ou pancetta em manta inteira

2 kg de banha refinada

1 colher (sopa) de sal

150 ml de azeite

100 ml de vinho branco seco

1 cabeça de alho (amassar; não triturar)

5 folhas de louro

1 maço de tomilho 

1 maço de alecrim          

Suco de 3 limões

Modo de preparar:

Faça uma marinada com todos os ingredientes, exceto a banha. Tempere a barriga, espalhando e besuntando bem a peça de carne e coloque tudo em um recipiente tampado Deixe na geladeira por 12 horas.                                                       

Em uma panela grande que comporte a peça da barriga, derreta a banha em fogo médio. Assim que derreter, mergulhe a barriga e baixe o fogo (temperatura desejada 90°C). Importante: a barriga deve estar completamente submersa.

Deixe a carne confitando na panela por 3 horas até o ponto em que a carne desfie ao espetar de um garfo.    

Tire a carne da gordura, envolve-a em plástico filme e reserve-a por 6 horas na geladeira.

Corte em cubos de 3 centímetros e frite em óleo bem quente (200°C) até dourar.

Envolva os torresmos em papel absorvente para que fiquem sequinhos e sirva.

 

Serviço:

São Paulo:

Aperitivos Valadares: Rua Faustolo, 463, Lapa.

Hilda Botequim: Praça Sá Pinto, 67, Vila Ipojuca.

Porto:

Casa Guedes. Praça dos Poveiros, 130.