Pecado Assumido

Fotografia: Arquivo
J.A. Dias Lopes

J.A. Dias Lopes

Com a divisa reescrita para “viver bem é a melhor vingança”, em vez de “comer bem é a melhor vingança”, que desfraldava desde a fundação, três décadas atrás, GULA volta a circular no Brasil. Revigorada e fortalecida, empenha-se novamente na promoção de duas legítimas obsessões humanas: a felicidade à mesa e o prazer do copo. Controlada agora pela Essência do Vinho, grupo português de comunicação especializado em vinho, gastronomia e enoturismo, sua divisa passa a repetir literalmente o provérbio basco difundido pelo escritor norte-americano F. Scott Fitzgerald.

 

Ele o introduziu no imperdível romance “Tender Is the Night” (“Suave é a Noite”), como paradigma para criar os personagens Nicole e Dick Diver, um casal glamouroso que morava no sul da França. “Viver Bem é a Melhor Vingança” também intitula o livro do jornalista e escritor norte-americano Calvin Tomkins, ex-editor-geral da revista Newsweek, sobre a história do casal de carne e osso que inspirou F. Scott Fitzgerald a criar sua dupla. Os dois estrangeiros haviam mudado para a França no final dos anos de 1920, período no qual uma leva de artistas e intelectuais norte-americanos se instalaram naquele país e curtiram os anos denominados loucos, ou seja, de valorização exacerbada dos prazeres da vida.

 

GULA foi lançada pela AR & T Editores, ou simplesmente ART, de São Paulo.  Desde então, já passou por quatro editoras, entre as quais a Editora Trad, na qual ficou oito anos, porém sempre permaneceu inovadora. Robusteceu-se na abertura da economia e das importações brasileiras, decretada pelo governo federal na década de 1990, ao prestar relevante serviço. Orientou seus leitores sobre novos ingredientes, receitas e bebidas, especialmente os vinhos. Era preciso explicar as novidades que chegavam ao Brasil, vindas especialmente da Europa.

 

Em suas primeiras edições, por exemplo, publicou reportagens sobre foie gras, caviar, tipos de massa e de arroz da Itália, carpaccio e grandes vinhos como Barca Velha, Brunello di Montalcino, Château Margaux e aí por diante. Todos os textos saíam com o propósito maior de informar e difundir a cultura enogastronômica. Não por acaso, GULA serviu de espelho para as revistas brasileiras do gênero surgidas depois.

 

Lida por aficionados em culinária, chefs de cozinha, restaurateurs, sommeliers, enófilos, importadores de alimentos e gulosos em geral, a revista sempre acreditou que comer e beber são os únicos verbos transitivos diretos que o ser humano conjuga do começo ao fim da vida. Nesse afã, exercitamos o espírito e o paladar. Isso nos lembra uma máxima universal. “Os animais se nutrem, o homem come; apenas o homem de espírito sabe comer”, sentenciou o epicurista francês Jean Anthelme Brillat-Savarin (1755-1826), autor de “A Fisiologia do Gosto”. Só faltou incluir, nessa sabedoria, a bebida e sobretudo o vinho, mas ficou implícito.

 

GULA se orgulha de ter acompanhado a evolução acelerada da enogastronomia brasileira, o salto de qualidade que deu a partir da década de 1990. Divulgou receitas identificando os autores ao pé da página, com suas fotos ao lado. Promoveu degustações de vinhos com independência, desvinculada das importadoras, que serviam para informar simultaneamente os sommeliers e os enófilos.

 

Estimulou os chefs a saírem da cozinha, a visitarem o salão para serem identificados como autores de pratos exclusivos; e os restaurantes a terem sommeliers treinados e não mais garçons escalados para vender vinhos; e os leitores a perceberem os aromas e sabores excelsos de tintos e brancos. Graças a tais serviços, GULA cresceu e fez enorme sucesso no Brasil. Já circulara outra publicação assemelhada, em São Paulo, porém sem o mesmo escopo cultural e, quando necessário, com tanta profundidade histórica nas pautas.

 

“Viver bem é a melhor vingança” se converteu na bandeira de GULA porque, repetindo o que já foi dito em outra oportunidade, ela também se ocupa de viagens a lugares sedutores, com comida e bebida maravilhosas; de reportagens sobre vinícolas que elaboram tintos e brancos notáveis; de provas comparativas de vinhos; de gente que confraterniza com os amigos nos restaurantes ou os reúne na própria casa em volta da mesa, para saborear pratos extraordinários e bebidas esplêndidas; de livros, de programas de TV ou de internet dedicados às receitas que lemos ou acompanhamos como se fossem aventuras – e algumas até são. Para nós, GULA continua a ser pecado, porém felizmente absolvido pelo beneplácito divino.