As Casas do Côro

Fotografia: Ricardo Garrido
Alexandre Lalas

Alexandre Lalas

Andar pela vila de Marialva é como passear no tempo. As ruas e casas de pedra, quase uma celebração ao granito, invocam uma época que não volta mais e convidam ao relaxamento e à reflexão. É exatamente nesta vila mágica e repleta de história que Cármen e Paulo Romão edificaram um sonho. Revitalizaram a zona e construíram um dos mais espetaculares empreendimentos hoteleiros não apenas de Portugal, mas da Europa: As Casas do Côro.

 

A antiga Cidade de Aravor foi fundada pelos Túrdulos no século VI A.C. Situada numa eminência rochosa sobranceira aos campos da Devesa, foi conquistada pelos Romanos quando virou um importante ponto de confluência. Por lá também passaram os godos, depois os árabes. Até que Dom Fernando Magno de Leão a reconquistou em 1603, rebatizando-a de Marialva. Hoje em dia, a aldeia - uma das mais charmosas de Portugal - faz parte do conselho da Mêda. E foi ali que, pedra a pedra, casa a casa, Cármen e Paulo levantaram o projeto das Casas do Côro.

Trata-se de um conjunto de casas históricas revitalizadas e magistralmente decoradas onde tudo está milimetricamente pensado para proporcionar ao hóspede uma experiência única, inesquecível e irrepetível. Mas chegar ao que hoje são as Casas do Côro não foi fácil. "Eu tenho até dificuldades em explicar como começou, porque foi tudo de forma muito irracional, completamente fora do que era a nossa vida. Mas óbvio que desde o princípio sabíamos que, até para assegurar a qualidade do projeto, aquilo se tratava de um projeto de vida. O que não sabíamos na altura era que tudo isso ia mudar radicalmente a nossa vida", conta Paulo Romão. "O que acontece é que ao longo destes quase dezenove anos, todo o envolvimento, todo o entusiasmo e todo o contágio, acabou por mudar um bocado a nossa vida, em termos de pessoas, em termos de família e rotina, justamente por se tratar de um projeto com um envolvimento pessoal muito forte", complementa.

"Começamos com seis quartos e fomos crescendo. A grande filosofia do projeto tem a ver com a nossa costela empreendedora. Na altura ainda antes de saber o que queríamos fazer, garantimos a viabilidade imobiliária do projeto. Mesmo sem ter a certeza do que faríamos, sabíamos que nós queríamos ter um projeto muito privado, na zona mais emblemática junto ao castelo. Portanto a alavanca do futuro que nos permitiu evoluir e criar todas as valências de um hotel como temos hoje, foi garantir todo o território a volta do núcleo central", explica Paulo.

Outro ponto importante na evolução das Casas do Côro foi a paciência. Saber esperar é uma virtude para poucos. E entender o tempo próprio que cada ideia tem para crescer e florescer, um talento que faz toda a diferença e define o resultado entre o sucesso e o fracasso. Até porque mesmo quanto tudo pede um pouco mais de calma, a vida não para. Mas Cármen e Paulo tiveram sabedoria suficiente para entender que estavam sentados em algo muito especial. "Crescemos de forma natural, até devagar. Mas o fato é que saímos de seis quartos pra 31, temos um conjunto de atividades que incluem um barco próprio no Douro, piquenique nas vinhas, programas de adrenalinas, caminhadas, além de todas aquelas coisas mais convencionais. Mas fundamentalmente, o projeto ancorou-se desde o início em uma filosofia de uma intervenção não normal, em que o hóspede sentir-se-ia em casa, mesmo não estando na própria casa, sem a pressão de um hotel convencional e ao mesmo tempo, muito nas experiências irreverentes", enumera.

Em que pese toda a história que transpira em Marialva, para além das atividades e do clima envolvente que reina nas Casas do Côro, o projeto buscou ainda outras valências que só fizeram contribuir para o ineditismo da experiência: gastronomia e vinho. "A Carmén é muito forte com o lado da gastronomia, portanto, foi uma cadeia de valor que se acrescentou desde o primeiro dia, mas sempre a evoluir, tanto que hoje somos bastante conhecidos pela qualidade da nossa gastronomia", revela Paulo.

Já o vinho não nasceu desde o início. Na verdade, apenas alguns anos depois, quando o hotel já era referência em Portugal, é que a vocação vitivinícola das Casas do Côro aflorou. E, como não poderia deixar de ser, tudo andou de forma natural, quase orgânica. "O vinho aconteceu de forma totalmente oposta ao que fazemos aqui habitualmente. Normalmente, um produtor de vinho sente a necessidade depois de algum tempo, de criar alguma condição de alojamento. Aqui, foi precisamente o contrário. Nós somos manifestamente hoteleiros, esta é a nossa vocação, mas por estarmos justamente na zona de transição entre a Beira Interior e o Douro Superior, onde o xisto começa a mudar para o granito, e foi a convivência com as pessoas do vinho que nos levou a aproveitar o nosso potencial, agirmos quase de forma irracional, colocando o coração a frente da razão, comprarmos terra, plantarmos e produzirmos nossos próprios rótulos", explica.

Mas a ligação direta com a produção começa justamente com uma visita de um hóspede ilustre. "Nunca me esqueço desse dia: meu hóspede, que na altura eu ainda não conhecia, era o Dirk Niepoort, que chegou com os dois miúdos, o Daniel e o Marco, ainda pequeninos, a sair do Lexus descalços. Poucas horas depois, o Dirk já estava a buscar garrafas especiais na mala do carro. Começou ali a nossa relação. Por já ter experiência em fazer vinho nesta região, e conhecer a fundo o potencial da Beira Interior, esta altitude e este granito, logo me pediu que mostrasse a ele as vinhas que haviam aqui a volta. Fomos. E ele me disse: começa a comprar estas uvas, que eu faço o teu vinho. E foi assim o nosso início", conta Paulo.

 

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Deu tão certo que nos últimos sete anos Paulo e equipe plantaram sete hectares de uvas para vinhos brancos. E ainda houve espaço e fôlego para que se plantasse algumas vinhas de rufete para a produção do vinho tinto. Hoje, as Casas do Côro possuem um total de 11 hectares de vinhas próprias. Além destas, Paulo compra uvas de vinhas velhas de viticultores locais.

O perfil dos vinhos é bastante peculiar. Têm caráter, estilo e qualidade. Mas não são, necessariamente, consensuais. "Nossos vinhos são diferentes. Quisemos desde sempre assumir o nosso perfil. Não estamos nem preocupados com o mercado, e nem com o que as pessoas dizem. Quisemos transferir para o vinho, a diversidade que aqui temos, e para isso, nos cercamos das pessoas que julgamos ser as melhores para o nosso projeto", diz Paulo. "Começamos com três vinhos. E ao contrário do que é habitual, com três topos de gama. Quando começamos a vender além daqui, com a nossa pequena rede distribuidora, percebemos que havia uma lacuna. Ficou claro que não poderíamos fazer marca apenas com o topo da pirâmide. Portanto, o grande objetivo da colheita de 2018, a primeira feita com o Carlos Raposo (ex-enólogo da Niepoort), foi criar três entradas de gama, sempre com o mesmo padrão de excelência, tanto no vinho quanto na imagem: um branco, um rosé e um tinto, registamos a marca ENTRADA, e eles vão se chamar Entrada das Casas do Côro", conta.

Vinho, gastronomia, natureza, história, experiência, reflexão. São muitos os atrativos das Casas do Côro. Mas para Paulo, ex-piloto de corridas, que conversa com a velocidade de quem ainda encara as curvas dos autódromos do mundo, o principal é que o hóspede saia de lá com um sorriso no rosto. "Nossa missão nas Casas do Côro é fazer as pessoas felizes. Por isso criamos um programa que que nada mais é do que um passeio pela vinha. Quando a pessoa pode pensar na vida, relaxar e viver, literalmente, o lugar. Quase como se pudesse se banhar com as vinhas. E ainda estamos com o secret spot das Casas do Côro, que consiste em quatro camas em quatro sítios completamente secretos, no meio do nada, onde convidamos os hóspedes a irem duas ou três horas no fim da tarde, com uma garrafa de vinho e um cesto de frutos, onde eles podem estar a vontade, com a própria música, ou música nenhuma se eles assim preferirem, mas onde eles possam aproveitar toda a natureza e tudo aquilo que temos a volta", adianta.

 

Afinal, de que vale a vida se não for para sermos felizes?