A inspiração que vem de NY

Fotografia: Divulgação
Juan Saavedra

Juan Saavedra

A pandemia vem exigindo um esforço de reinvenção de um dos principais grupos de bares e restaurantes de São Paulo, a Cia. Tradicional do Comércio. Dona de fortes marcas paulistanas como Pirajá, Astor, SubAstor, Bráz, Lanchonete da Cidade e Ici Brasserie, algumas em operação no Rio, a CiTC foi criada em 1995, em Moema, com o bar Original. Um dos sócios-fundadores é Ricardo Garrido, que, depois de 25 anos intensos na linha de frente dos negócios, decidiu, ainda em 2019, tirar um sabático. Sua escolha foi Nova York.

 

"Fui buscar inspiração em um centro gastronômico mais desenvolvido que São Paulo para fazer uma reflexão sobre como seria o futuro do nosso setor". disse o empresário em apresentação no Global Retail Show, evento 100% online dedicado a debater a retomada do setor de varejo.

Em 12 meses na cidade americana, Garrido pesquisou bastante, chegando a totalizar a visita a 140 estabelecimentos antes de perder as contas. "Queria entender as alavancas estratégicas usadas intuitivamente ou de caso pensado para que elas se transformassem em sucesso em uma praça tão competitiva como o mercado de bares e restaurantes de Nova York."

 

Nessa jornada, o sócio da CiTC identificou quatro tendências.

A Gula resume esses achados:

 

1 - Propósito que engaja

"Cada vez fica mais evidente que marcas de bares e restaurantes de sucesso têm por trás um propósito claro, forte e verdadeiro e que principalmente tenha o poder de trazer o cliente para essa causa", diz Garrido.

A procedência dos alimentos e acessórios, e a saudabilidade dos pratos, é uma diretriz presente. Mas os cases mais interessantes vão além.

 

"O propósito pode vir de uma rede de frango fritos americanas chamada Hot Chicken Take Over (https://hotchickentakeover.com), que monta suas equipes essencialmente a partir de ex-presidiários, ex-viciados e ex-moradores de rua de suas cidades, fazendo, a partir de uma rede de restaurantes, um projeto incrível de recuperação de pessoas em situação de vulnerabilidade social. Esse tipo de restaurante é quase uma comodity nos Estados Unidos, mas o grande diferencial é promover a inclusão social de uma maneira muito bonita, genuína e impactante."

 

O propósito pode vir por meio do compartilhamento de informação. "Nova York é absolutamente ávida por informação e é um statement que vários bares e restaurantes não vendem comida, mas vendem informação. E os restaurantes étnicos são amados em Nova York acima de tudo porque falam de uma cultura que o americano não conhece. Um exemplo, entre muitos vencedores lá, é um fast food de comida de rua egípcia, o Zooba (www.zoobaeats.com). Essa rede dá a possibilidade de o novaiorquino conhecer um pouco do Egito, de como é a alimentação de rua de um país distante."

 

"Contar histórias que nos emocionam e das quais nós queremos fazer parte continua sendo uma das estratégias mais vencedoras. O Lilia (www.lilianewyork.com) é um dos restaurantes mais procurados e queridos de Nova York. Conta a história de uma chef de cozinha que teve um burn out de tanto trabalhar para defender as estrelas Michelin e jurou para os seus familiares que jamais entraria em uma cozinha. Dois anos depois, ela descobriu que sua paixão era a cozinha e que o burn out não tinha nada a ver com a cozinha, mas sim que ela estava fazendo uma comida que não tinha nada a ver com ela. Deu a volta por cima montando um restaurante italiano com a comida que ela fazia em casa para os amigos quando ela os recebia. Esse restaurante se tornou um sucesso e daqui a pouco Missy Robbins (na foto abaixo) (www.missyrobbins.com/) vai receber um Michelin por fazer um restaurante tão simples e verdadeiro. Os novaiorquinos do Brooklyn a amam."

2 - Proposta de valor irrecusável

Consumidores sempre vão gostar de produtos que valem a pena, diz Garrido.

 

"E a proposta de valor pode ser desde um restaurante sofisticado e caro, mas que entrega mais do que cobra, até ultra barato, mas que tem uma qualidade simples que cobra barato, mas de qualidade altíssima. Um dos casos que vi é um que só serve roll, mas com um estilo super japonês, o Kazunori - Handmade Roll (www.handrollbar.com/). É um fast food de comida japonesa, mas a operação dele é inspirada nas degustações mais inspiradas de Tóquio. Ele só trabalha com peixes de primeiríssima linha e o sushiman, que trabalha em frente a um computador, ele vai entregando um de cada vez, como se fosse uma degustação de alta gastronomia. Isso é feito dentro de uma sistemática operacional de um fast food. Isso faz com que você coma uma degustação de altíssimo nível por um valor de fast food. Obviamente é uma proposta de valor irrecusável e eu tive que esperar mais de uma hora na fila. Não tem lugar para sentar-se. Mas depois você sai absolutamente satisfeito."

 

3 - Conveniência saborosa

A grande novidade é que o consumidor de bares e restaurantes em NYC não aceita que a conveniência seja de qualquer comida, destaca Garrido.

A conveniência não significa comer qualquer coisa. Significa comer de uma forma rápida, barata, descomplicada, mas uma comida muito boa. Os food halls [Vanderbilt Food Hall é um deles, www.urbanspacenyc.com/urbanspace-vanderbilt] não param de crescer e atraem os operadores mais interessantes, dos produtos mais segmentados, às vezes até de alta gastronomia, adaptados a pequenas operações, junto com outros vizinhos, e você pode comer uma pizza e a pessoa que está com você comer outro prato, mas com uma qualidade muito alta, em um ambiente extremamente diferente, renovando o conceito de praças de alimentação que a gente vê em shoppings.”

4 - Hospitalidade genuína

Ter um bar e/ou um restaurante é a capacidade de compartilhar carinho com o cliente que você acabou conhecer, diz Garrido.

“Danny Meyer trouxe essa palavra para esse setor.  Desenvolveu uma das empresas mais respeitadas de bares e restaurante do Estados Unidos e foi o inventor do Shake Shack (www.shakeshack.com/), uma rede interessante que já chegou ao Oriente e a vários países, basicamente fazendo um hambúrguer simples, mas bem feito, mas dentro de um conceito de simpatia, de fazer com que o cliente tenha experiência bacana, mesmo dentro de um conceito de comida rápida e simples. Nunca o conceito de hospitalidade esteve tão em alta, porque definitivamente o cliente percebeu que, mais do que sair para comer, sai de casa para receber carinho.”