Clássico sul-americano

Fotografia: Divulgação
Miguel Icassatti

Miguel Icassatti

Cheguei a Montevidéu no fim da tarde de uma quinta-feira. Era o primeiro dia de um feriadão, que terminaria na outra margem do rio da Prata, em Buenos Aires. Essa travessia me instigou a colocar um tempero extra em um assunto que une e faz tornarem-se rivais os dois povos, argentinos e uruguaios: em qual das duas cidades está a melhor parrilla, Montevidéu ou Buenos Aires?

 

Em Montevidéu, comecei por uma das bancas de parrilla do Mercado del Puerto. Na impossibilidade de provar o churrasco do famoso El Palenque, que estava a encerrar o expediente, refugiei-me no balcão do La Chacra, cuja parrilla (churrasqueira) é comandada há décadas por Don Oscar Acosta. Segundo ele, são assados 200 quilos de carne a cada dia.

 

Por sugestão do churrasqueiro, devorei dois carnudos pedaços de asado de tira (costela bovina), precedidos por uma apimentada salsicha parrillera (linguiça). Assada ao ponto, a carne tinha um quase nada de sal, como manda a tradição local, para que se possa recorrer ao molho chimichurri. Quase ao fim de expediente, porém, talvez eu não tenha conseguido encontrar o corte mais macio. Meu veredicto?

 

Boa experiência, valeu.

 

No dia seguinte, o destino foi o confortável restaurante La Perdiz, que fica ao lado do Shopping Punta Carretas. Tive a sorte de conseguir uma mesa defronte à parrilla e pude constatar que, assim como no La Chacra, essa era aquecida a lenha. A brasa da madeira acaba por conferir uma nota defumada extra à carne, por mais que tenhamos pedido ao ponto. Minha mulher pediu um badejo a la plancha e eu fiquei com um bife ancho acompanhado de purê de batatas. Ambos estavam muito bons.

 

Momento alto da viagem.

 

Depois de uma tarde de ventos e frio na linda Colônia de Sacramento, cidade também às margens do Rio da Prata, uma espécie de Parati com a alma do Quadrado, em Trancoso, desembarcamos do buquebus em Buenos Aires pontualmente às 21h30.

 

É sempre bom retornar à civilizada capital argentina. Aproveitei para rever e para conhecer endereços. Por sorte, nosso hotel distava poucos passos do veterano Don Julio, em Palermo Viejo. Por volta das 11 da noite, o restaurante tinha bom público – pegamos a última mesa disponível. Notei que a clientela compunha-se de grupos de casais jovens, famílias e alguns poucos turistas gringos. Pedimos um bife de chorizo, meia-porção, o que significa muita carne, diga-se, e vacio (fraldinha). Surpreendi-me com o ponto, que estava passado, mesmo já sabendo que “ao ponto”, para os portenhos, corresponde ao nosso mal passado. O Rutini Malbec acabou por perdoar.

 

Veredicto: boa experiência.

 

Para o almoço dominical, o dia seguinte, reservei tempo e paciência para conhecer o La Brigada, em San Telmo. Antes de falarmos da carne, convém dizer que não é vergonha dedicar boa parte da visita para explorar o decoração. Quem, como eu, é aficionado por futebol, vai se deliciar com as flâmulas e faixas de clubes de futebol do mundo inteiro distribuídas pelas paredes, sem contar as fotos de jogadores clientes, enter os quais um tal de Lionel Messi.

 

Provamos o asado de tira especial e o ojo de bife, ambas boas pedidas. O ojo de bife devia ter uns 10 centímetros de altura. É uma carne saborosa e muito macia. O asado especial estava acima da média e tão macia que o garçom deu seu show a parte, ao cortar a carne com a colher. Veredicto: muito bom.

 

Até aqui, jogo empatado. Propus-me, então, a desempatar essa versão do clássico do Rio da Prata. No outro dia, de regresso a Palermo, encerrei a viagem à mesa do La Cabrera, talvez a parrilla mais frequentada por brasileiros naquela região da cidade.

 

Provoleta, chorizo criollo de rueda, bife de chorizo e asado de novillo (de tira), tudo estava mais uma vez impecável. Tempero e ponto estavam perfeitos, como nas outras duas vezes em que eu havia estado ali, num intervalo de oitro anos desde a primeira vez.

 

 

Veredicto: ótimo.

 

Dessa vez, gol da Argentina.

 

ENDEREÇOS:

Don Julio: Calle Guatemala, 4691, Palermo Viejo, Buenos Aires.

La Brigada: Calle Estados Unidos, 465, San Telmo, Buenos Aires, Argentina.

La Cabrera: Calle Jose Cabrera, 5099, Palermo Viejo, Buenos Aires, Argentina.

La Chacra: Mercado del Puerto, Ciudad Vieja, Montevidéu, Uruguai.

La Perdiz: Calle Guipúzcoa, 350, Punta Carretas, Montevidéu, Uruguai.