O construtor de clássicos

Fotografia: Alexandre Lalas
Alexandre Lalas

Alexandre Lalas

Construir é erguer, edificar, produzir. Mas também é conceber, imaginar, inventar. Constroem-se casas e edifícios, indústrias e empresas, sonhos e histórias. Quando João António Cerdeira, com o apoio de seu pai, António Esteves Ferreira plantou, em 1974, alvarinho em Melgaço, começou a construir um sonho. Oito anos depois, nascia a primeira marca de alvarinho na região. Hoje, 46 anos depois de a primeira vinha plantada, o que temos é uma empresa familiar que extrapola o papel de vinícola para tornar-se um importante motor no desenvolvimento da cidade. Mais que fazer - e vender - vinhos, o Soalheiro, tal e qual um embaixador comercial, vende Alvarinho, vende Melgaço, vende o Vinho Verde.

 

Para chegar a este patamar foi preciso, mais uma vez construir. E nesta construção, três tijolos têm papel preponderante: inovação, tradição e consistência. A exemplar capacidade em combinar estes elementos deu ao Soalheiro uma característica que alicerça o poder transformador que a empresa tem na região: o de construtor de clássicos. "Somos o primeiro produtor de alvarinho em Melgaço. Foi meu pai, junto com meu avô, quem começou com as vinhas em 1974 e com a marca em 1982. Eles nos deixaram o peso da tradição, peso este que gostamos e tentamos levar sempre mais além. E ainda por cima, temos uma equipe jovem, que se alimenta da inovação. Por isso, tudo isso se concilia no Soalheiro", explica Luis Cerdeira, o atual administrador do Soalheiro.

as vinhas do Soalheiro

 

"Buscamos aqui tornar tradicional o que é inovação. O grande segredo é fazer que com que as novidades que estamos buscando hoje alcancem um grau de consistência que nos permitam trata-las como realidade amanhã. Foi assim, por exemplo, com a linha de vinhos naturais. Quando lançamos o primeiro, era inovação. Hoje, a pessoa que nos visita já tem ao dispor uma prova vertical destes vinhos, e muitas vezes até espera poder provar alvarinhos menos interventivos. Ou seja: transformamos o que um dia foi considerado para nós uma inovação em uma tradição da casa. E é assim que a roda gira. O que era inovação ontem, passa a ser tradição hoje para virar 'old school' amanhã", acredita Luis.

 

Luis defende que não há lugar para o conformismo. "Existe no mundo dos negócios apenas duas velocidades: ou se cresce, ou se desce. Por isso, não podemos ficar estagnados, apoiados numa ilusória estabilidade. Precisamos estar constantemente inconstantes, inconformados, para que possamos sempre ir buscar aquela excelência a mais que o nosso território dá", explana.

 

Mas isso não  necessariamente quer dizer que não haja limites ou que se possa fazer tudo e qualquer coisa. "No Soalheiro temos os nossos parâmetros. Aqui, em tudo o que fazemos, precisamos ter alvarinho. É o nosso DNA, nosso território, a nossa essência. Portanto, temos sempre que conciliar a necessidade em inovar com a nossa obrigação em afirmar nossas raízes. Do contrário, até podemos criar coisas interessantes, mas que não terão o nosso DNA, e, portanto, não farão parte de nossas tradições. E o que nós queremos não é a inovação por si só. Queremos construir vinhos que sejam clássicos no futuro", explica Luis.

Luis e Maria João Cerdeira: os irmãos na adega

 

Entre as apostas para o futuro, Cerdeira acredita que os espumantes possam atingir um protagonismo importante na região. " Acredito que em Melgaço temos totais condições de produzir espumantes de excelência. Não apenas aqueles leves e fáceis, com foco na fruta e que já dão enorme prazer a quem os prova. Mas também espumantes de classe mundial, com longas autólises, estágios em madeira e potencial de guarda enorme", aposta.

 

Outro ponto que não passa desapercebido por Luis Cerdeira é o crescimento do enoturismo, estagnado por conta da pandemia, mas que certamente voltará a crescer em um futuro próximo. "Turismo para nós é uma forma de trazer pessoas para conhecer a região de Melgaço. Queremos que os turistas usem e abusem das nossas trilhas, da beleza natural, da nossa gastronomia, da nossa rede hoteleira, do nosso território. E não apenas dos nossos vinhos. Cremos que quanto mais pessoas trouxermos para a região, por consequência, será melhor para todos em Melgaço, inclusive para os produtores de vinho", defende.

 

Sempre antenado quando o assunto são temas como sustentabilidade, meio ambiente, mudanças climáticas, Cerdeira leva para o Soalheiro muitas das convicções que tem acerca destes temas. E sabe que uma vinícola não se faz apenas bom boas vinhas e uvas colhidas no momento certo. O lado humano também é parte fundamental neste processo. "Queremos criar um ambiente de trabalho que seja majoritariamente alegre. Isso passa por propiciar às pessoas que trabalham na Soalheiro estar contentes com o que fazem no dia-a-dia. Assim, resolvemos apoiar projetos pessoais de alguns de nossos funcionários, que, sozinhos, não teriam condições de alavancar estas iniciativas", comenta Luis. Entre os projetos dos funcionários que trabalham no Soalheiro está um vinho feito ao estilos dos brancos da Georgia, desenvolvido por um membro da equipe de enologia da casa.

 

Outra preocupação recorrente de Luis é com a sustentabilidade social. E o empresário faz questão de fazer mais do que apenas contribuir financeiramente com alguma causa nobre. Participar é fundamental. "Apoiamos e viablizamos diversas ideias que busquem efetivamente fazer a diferença para uma sociedade melhor, mais justa e inclusiva. Nesta linha temos, por exemplo, o projeto Germinar, em parceria com um de nossos produtores de uva. Ali, colocamos para trabalhar no campo pessoas com algum tipo de dificuldade mental. E é impressionante como algo tão simples pode gerar tanta alegria para eles. E a ideia é, com o tempo, criarmos um vinho feito com as uvas trabalhadas por estas pessoas. Uma espécie de vinho social", afirma Luis.

 

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Quanto ao futuro, Cerdeira prefere pensar no presente. Mas sem esquecer que construir também é planejar. "Não sei como será a Soalheiro daqui a cinco anos. Não gostamos de pensar em como as coisas irão evoluir, mas em como acompanhar esta evolução. Hoje em dia, tudo muda muito rápido. Fala-se muito em aquecimento global? Plantamos uma vinha no alto da montanha, a 1,100 metros. Foi por causa disso? Certamente o assunto influenciou. Se nada fizéssemos, pode ser que teríamos que fazer daqui a quatro anos. Teríamos perdido tempo", divaga. "Nossa missão é dominar o mundo através da alvarinho. É impossível? Talvez. Mas enquanto isso comunicamos nossos vinhos, nossa uva, nossa região, nosso território, nossas pessoas", afirma Luis.

 

"Vejo o Soalheiro como um indivíduo: com valores, objetivos de vida, que, como os nossos, mudam com a vida e com as exigências do caminho. Mas uma pessoa séria, consistente, inovadora sem ser louca, e que no fundo consegue ser uma das âncoras deste território de Melgaço para o mundo", divaga Luis, enquanto ajuda a construir clássicos pelo caminho. E, tijolo por tijolo, também contribui para a construção de um mundo melhor, mais justo e inclusivo.

 

Vinhos provados:


 

Soalheiro Alvarinho 1989
Trinta e um anos depois da vindima, este branco continua em forma espetacular, apenas consagrando a tese de que um bom alvarinho envelhece muito bem, sim senhor. Nesta fase, os aromas terciários dominam no nariz, com ênfase em mel e damasco seco. Na boca, tem boa presença e conjunto, elegante, vivo, longo e ainda com pernas pra andar. - 95


Soalheiro Alvarinho 1999
Nariz com um bom toque de pólvora somado a notas de abacaxis em calda e maracujá doce. Na boca, ainda mostra uma boa frescura e firmeza de conjunto, com um toque fumado no final. - 88


Soalheiro Alvarinho 2008
Aos 12 anos de vida, este alvarinho ainda mantém toda a intensidade juvenil. Um leve floral, somado a notas de frutas de polpa branca dominam o nariz. Na boca, profundidade, algum citrino e muita vibração e frescura garantem uma longa vida a este branco. - 94

 

Soalheiro Alvarinho 2012
Considerada uma "safra perfeita" pela equipe da casa, este 2012 realmente mostra um grande valor ainda a esta altura. No nariz, caminha mais para o lado da fruta (pomelo, toranja). Na boca, chama a atenção pela vibração e pela intensidade. É um vinho, aos seis anos, cheio de juventude, garra e alegria. Tem um longo e lindo caminho pela frente. - 92

 

Soalheiro Alvarinho 2018
Repleto de frutas frescas no nariz (pomelo, pera, maracujá, manga). Na boca, cumpre o prometido, com muita fruta, leveza e frescura, com um toque citrino que levanta ainda mais a bola deste vinho. - 87

 

Soalheiro Granit 2015
Nesta linha, a alvarinho caminha para um lado menos exuberante em termos de fruta e desenvolve um lado mais salino (ou, vá lá, mineral). Na boca, chamam a atenção a cremosidade e o volume deste vinho, que ainda tem boa frescura e final longo. - 86


Soalheiro Granit 2018

A tensão e a vibração em boca são as valências que mais destacam-se neste alvarinho. Tem garra, eletricidade, além de uma dimensão impressionante e um final longo e muito seco. - 90

 

Soalheiro Primeiras Vinhas 2009
Nariz intenso e vibrante, com notas de pomelo, lima da pérsia, com evolução para frutas secas. Na boca, untuosidade, fruta e boa frescura. - 89


Soalheiro Primeiras Vinhas 2012
Embora o nariz cheio de fruta fresca encante já no primeiro momento, este primeiras vinhas destaca-se mesmo é pela boca sensacional que tem. Trata-se de um branco gordo, untuoso, amplo, mas que ao mesmo tempo, é fresco e vibrante. Longo caminho pela frente. - 94

 

Soalheiro Primeiras Vinhas 2018
Nariz limpo e intenso, com notas de frutas cítricas. Na boca, é gordo, largo, com uma acidez firme e vibrante que garante a tensão e a frescura e faz com que o vinho não pese. - 91


Soalheiro Reserva 2012
Muito boa fruta tanto no nariz quanto na boca. A madeira deu uma complexidade interessante ao vinho, sem prejudicar em nada a frescura. Um alvarinho macio e em excelente forma. - 92


Soalheiro Reserva 2017
A fermentação e o estágio em barricas ainda fazem com que a madeira predomine no aroma, mas nada que o tempo em garrafa não resolva. Na boca, pra já apresenta maciez, profundidade e força, numa versão mais potente e com um pouco menos de frescura que outros reservas anteriores. - 87


Soalheiro Allo 2009

Aos onze anos de idade, este branco, feito com alvarinho e loureiro, continua a encantar. Tem leveza, frescura, dimensão e volume em boca. Um vinho feliz. - 90


Soalheiro Allo 2018
Nariz cheio de fruta e flor, com ênfase em pêssegos e damascos. Agradável e fácil em boca, prima pela leveza. Final um tanto curto. - 84

 

Soalheiro Nature Pur Terroir 2016
Espumante feito com a alvarinho, baseado no método ancestral, sem sulfitos e nem dosagem no final. Bem fora da caixa, com aromas de brioche, foge do estilo limpo e polido da casa. Bem tenso e elétrico, um vinho diferente e intrigante que termina com um leve amargor. - 87

 

 

No Brasil, os vinhos da Soalheiro são representados pela importadora Mistral em todo o território nacional